oitava
A vizinha tinha dois temas prediletos: o tempo e os gatos. Sempre que esse estranho silêncio sentava no transporte entre os dois, a mulher puxava de um dos assuntos como um mago que puxa coelhos da cartola. -Hermínia! Se é feminino é porque é mais tempestuosa. Especulou a vizinha, enquanto sacudia as gotas de chuva do capote. Não podia imaginar que estava ali na presença da mais alta aristocracia das intempéries, uma divindade temporal, um mestre climatológico que nunca se cansava de explicar o fabuloso sistema de nomeação de tempestades que ele próprio inspirara nos humanos. Para ela, ele era um simples funcionário apático e cansado, de uma repartição qualquer do estado, que ele inventou na hora quando a vizinha o interpelou pela sua ocupação. Não lhe ia responder que era o fazedor de toda aquela tormenta, que aquele vento que os tolhia tinha sido fabricado por ele mesmo nessa madrugada, à força de muito braço no lagar, e aquela saraivada terrível, dois dias antes, compactada e carregada nas nuvens no casinhoto do fundo do jardim. Se ela o visse na sua forma real, a pele azulada, a cabeça coberta por um toucado de calêndulas douradas, os enormes caninos salientes, talvez até acreditasse.
O deus da chuva, senhor do raio, do trovão e do relâmpago, tossicou para aclarar a voz e com a certeza que as nuvens os acompanhavam a curta distância, explicou que os nomes são dados às tempestades muito antes destas nascerem, no início de Setembro, pelo menos neste sossegado recanto do mundo. São atribuídos alfabeticamente, como tudo o que é bem feito. Os nomes alternam entre femininos e masculinos, e são reutilizados, excepto quando uma tempestade é particularmente devastadora. Lembra-se da Kathrina? esse nome provavelmente não será novamente utilizado. E sim, houve um tempo em que as tempestades recebiam nomes femininos exclusivamente, como os navios, mas não é o género que define o potencial da tempestade, nem de coisa nenhuma.
Embora eu deteste toda e qualquer tempestade (quantas vezes é que eu já disse isto?), tenho que agradecer ao Sr Mau-Tempo.
ResponderEliminarDevia ter desconfiado logo que tinha sido obra sua.
Segundo uma notícia que estive a ler, a barragem que abastece cá as minhas bandas, está a 71%. No Barlavento ainda não está tão bem.
Mas, ainda haverá mais tempestades. Com nomes portugueses ou não, masculinos ou femininos.
Gosto muito de o ver de volta.
Um abraço,
Sandra Martins
Por sua causa hei-de tornar-me a senhora do Bom Tempo e dar nomes às brisas ligeiras e às nuvens pequeninas que trazem bocadinhos bons de chuva. Quanto aos vizinhos, se têm voz já não é mau, às vezes suspeito que alguns a perderam de todo.
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