serões

 

Era noite e na sala de música do Conde de Lagareyro achavam-se reunidas algumas personagens peculiares: a Duquesa de Kihi liʻiliʻi com as suas gargalhadas contagiantes e vestidos vaporosos sem anáguas por baixo, o Visconde de Pokovka, moço extravagante e vagamente louco, recém-chegado de uma longa peregrinação ao lago Tanganyika. Também do Norte viera a Viscondessa de Stjernemaker, criatura peculiar de uma fragilidade ideal e sobejamente conhecida pela sua capacidade de criar boas conversas e coleções aborrecidas de conchas vazias. Consigo trouxera, a pedido do Conde, a Marquesa de Ulica Indii, de olhar selvagem, apaixonada, famosa por acertar em farturas com facas a mais de três metros de distância, ou o inverso, dependendo da época do ano. Como era habitual, também se encontrava presente a Condessa de Estade Queiroz, que não possuindo quaisquer direitos sucessórios, tinha em compensação o dom de sonhar entre insónias, improvisando debates e palestras nos serões do palácio dos Lagareyros.

A sala abria para a frescura perfumada do jardim em socalcos. A mansa respiração do vento, afagava o veludo verde dos reposteiros que adornavam as janelas, lembrando gigantescas algas oscilantes no fundo marinho. Não obstante, apertados e amarrados em vários metros de seda e cetins, os convidados agitavam com ferocidade os seus imensos leques, finamente ornamentados com pinturas campestres, rendas, bordados, plissados ou brisé, na vã tentativa de se reanimarem. O conde chamou o criado e foram servidos deliciosos refrescos, enquanto a Duquesa tocava 'La donna è mobile' no piano. Foi quanto bastou para que o Visconde, abrindo muito a boca como um peixe afogado em ar, não resistisse a demonstrar os seus dotes de tenor.

Depois de uma modesta ovação, o mordomo anunciava o jantar. A noite prometia.

Comentários

  1. Antes de mais, devo dizer que fiquei muito contente por voltar a lê-lo!
    E que maravilha de texto! Senti-me transportada para o "Downtown Abbey".
    Com a sua capacidade, seria muito interessante ler um texto onde descrevesse o jantar dos empregados do Sr Conde. O reverso do luxo.
    Um abraço,
    Sandra Martins

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    1. obrigado pelas palavras atenciosas. ultimamente nã ando muito inspirado, mas se escrevesse sobre os empregados do Sr. Conde, era para dizer que nã os tens, é tudo fogo de vista, uma farsa :D o Conde nã tem onde cair morto! abraço

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  2. A imaginação não é uma farsa. Nem o talento para a escrita.
    Um abraço,
    Sandra Martins
    PS - Tenho mesmo vontade de "meter uma cunha" ao Mau-Tempo e pedir para que este calor dos infernos vá embora!

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  3. Posso encarnar a Duquesa de Kihi liʻiliʻi?

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