batráquio

 

Acontecia-lhe por vezes, quando semicerrava os olhos, observar o que não era visível para a maioria. Como se uma meia dimensão lhe ficasse acessível. Trazia nessa altura a roupa colada ao corpo e a sensação de mil punhais cravados nas costas. Faltava meio parsec para o transporte chegar ao destino, podia ouvir anunciar aquando do fecho automático das portas. Tinha de permanecer imóvel, perder a sensibilidade, principalmente na grande porção de epiderme que lhe cobria as espáduas até ao dorso. Fechou os olhos e tentou meditar, focando a atenção no ar que sem esforço fazia entrar nos pulmões, mas após duas ou três tentativas desistiu, impressionado com os odores revelados. Abriu os olhos. A luz no interior do transporte era suave, projetada intencionalmente para o tecto. Das janelas negras pressurizadas apenas recebia os reflexos daquela dimensão. Quase todos os ocupantes levavam os ecrãs ligados diante dos olhos, iluminando os seus rostos possuídos com cores e flashes vibrantes. Reparou nas unhas escuras da mulher que ia sentada de frente. Semicerrou os olhos para a mulher não sentir que a observava e foi aí que o viu, o grande batráquio. Não o viu completo, na totalidade de patas e verrugas que teriam a altura de um ser humano, mas o olho saliente que o mirava atento, amarelo forte com uma fenda horizontal negra. Estremeceu.



Kunichika triptych from 1883 of Tenjiku Tokubei and his toad
Waseda University








Comentários

  1. Vida de Samurai não é fácil, não!
    Por vezes tem de engolir cada sapo... ó se tem!
    Beijo, Manel!

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    Respostas
    1. ó se tem! e se fosse só isso... se fosse só isso...
      :)
      beijos, Janita

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