Drivelswigger


ousa é esta que se conta neste relato para os homens muito temerem os castigos do Senhor e serem bons cristãos, trazendo o temor de Deus diante dos olhos, para não quebrar seus Mandamentos. Porque Dona Cuca fidalga mui nobre e boa pirata, crida de toda a tripulação, e nas Caraíbas andou gastando seu tempo e mais de cinquenta mil cruzados em dar de beber a muita gente. Foi em boas comemorações sob o pretexto de um dito congresso, que fez a muitos homens infelizes; por derradeiro todos que a bordo ficaram. Que entre os mais foi um Maltês, guardião da gávea, que me contou isto muito particularmente, que por acerto achei aqui em S. Bartolomeu dos Galelos no ano de dois mil e dezasseis.


E por me parecer história que daria aviso e bom exemplo a todos, escrevi os trabalhos e males desta fidalga e, de toda a sua companhia, para que os homens que andam pelo mar se encomendem continuamente a Deus e a Nossa Senhora, que roga por todos. Ámen.

Partiu deste galeão Cuca Melissa Pamela, que Deus perdoe, para fazer esta desventurada viagem às Caraíbas, a dois de novembro do ano de dezasseis. E partiu tão tarde por ir carregar a mala até ao aeroporto, onde carregou obra de quatro mil e quinhentos quilos, praticamente todo o espólio de bom rum que havia a bordo. E com esta carga se partiu para o dito congresso, deixando a tripulação engalanada no convés, lavada em lágrimas, "esgrimindo com lenços intermináveis acenos". E ainda que a nau dali não se mexia, acostados a menos de uma milha da foz do Arelho, nem por isso deixou de ir sem a deixar entregue ao comando de um saco de pulgas rafeiro, no que se havia de ter muito cuidado pelo grande risco que correm as naus muito carregadas de pulguedo.

A três de novembro veio a Capitã haver vista da costa das Caraíbas e dos trinta e dous graus que lá fazia, não sonhando que toda a sua mui crida tripulação lhe encomendara uma surpresa no regresso. Vieram então a bordo sem demora os “cridos mudei o galeão” e seus carpinteiros, serralheiros, electricistas, pedreiros, ladrilhadores, canalizadores, pintores, estucadores e um decorador de interiores. Ter tanto dentro porque havia poucos dias que era partida, e não tardaram muito em ver de novo o chão do convés, a claridade das vigias, a bujarrona cheirando a alfazema, o tombadilho resplandecente. 

Quando os homens terminaram a carranca de uma sereia de belos e redondos seios, e a pregaram na proa com mil cuidados, acharam por bem correr o sabão da quilha para cima, achando por debaixo da pintura negra uma outra encarnada, que fazia pandã com o lenço da Capitã. Mas por causa desta ruim ideia, que foi uma das causas, e a principal, de seu perdimento, porque chegaram do vante à popa sem haver achado por toda a embarcação, o nome de baptismo do galeão...

daqui


Plagiado d' História Trágico-Marítima, prólogo, do caríssimo falecido Bernardo Gomes de Brito.

Comentários

  1. Ahahahahahahahahah
    Suspeito que o melhor é abandonar o congresso e regressar rapidamente!
    :)))

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    1. é uma tragédia, Capitã! Onde já se viu um galeão sem nome!!!
      :)

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  2. Um caso que ficará na História. :)

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  3. Caro Manelamigo

    Venho com mais de um mês de atraso - mas venho.

    Andando pela perigosíssima blogosfera encontro o teu nome assinando himalaias de comentários. Desperta-me a curiosidade de jornalista com 75 anos, mas com cabeça de 18 (a de cima) e resolvi armar-me em cusco e vir até cá. E aqui estou. Ó César perdoa-me o quase plágio: vim, vi e gostei. Se não tivesse gostado também to dizia: ou sim ou sopas.

    Espero-te na NOSSA TRAVESSA http://anossatravessa.blogspot.pt

    Abç

    Henrique, o Lãozão

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    1. Caríssimo Henrique, vem sempre a tempo, mas desde já lhe digo que os comentários que por ai espalho são bem melhores do que as crónicas que aqui vou postando :)
      A Nossa Travessa parece o sítio perfeito para a visita de um atravessado! obrigado.
      abraço

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  4. Gosto particularmente do último parágrafo.

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