Yùnqì

O empregado recolheu o prato onde metade da comida estava intacta, a deslizar entre o yakisoba mal se distinguia um cabelo demasiado longo para lhe pertencer. Ficou perturbado e sem sobremesa ou reclamação, pediu a conta. O empregado sempre calado voltou com um pratinho onde oscilava um bolinho da sorte com o habitual talão da conta por baixo. Nunca abria o bolinho da sorte, acreditava demasiado na sorte para a receber depois do jantar dentro de um biscoito de farinha. Retirou uma nota da carteira e esperou pelo troco, incomodado pelo olhar que a cozinheira lhe pudesse atirar, lá por detrás do balcão. Ponderava se voltaria, era dos poucos sítios tranquilos para jantar, sem televisão e com toalhas de pano que não picavam os braços. Voltou a levantar a cabeça em direcção à cozinha, precisava de arranjar algo com que se entreter enquanto o empregado calado não voltava com o troco, então sem reflectir abriu a embalagem de plástico inchada e estalou a meio o bolinho da sorte, saltando do seu interior um pequeno papel enrolado. Olhou em volta, o restaurante estava praticamente vazio, para além de duas moscas a circular no centro da sala, havia um casal de jovens junto à janela que entrelaçavam os pés e os dedos ao longo da mesa. Mirou com receio o papel enrolado, pegando-o com estranheza. As letras eram demasiado pequenas para o cansaço dos olhos e pouca iluminação da sala, apareciam-lhe juntas num traço indistinto negro. Procurou os óculos no bolso do casaco, pendurado nas costas da cadeira, primeiro no esquerdo depois no direito. Esticou o papel segurando-o pelas extremidades, mas o empregado voltava, de olhos sempre baixos e um sorriso educado, deixando na mesa o troco e um tímido obrigado. Disfarçou desastradamente o interesse na sorte, amarfanhando o papel na mão e rapidamente  arrumou o troco no bolso sem deixar gorjeta, pegou no casaco e saiu com pressa para lado nenhum.



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