zagalote

ou simplesmente... Carta para mim, a ler daqui a 10 anos

Olá eu,
Que rico começo, mesmo patético, nem sei bem o que escrever. Nem sequer que registo utilizar. É tão raro nos dias que correm escrever uma carta, mais raro ainda escrever uma para ser lida daqui a 10 anos. Escrever para nós próprios não posso dizer que seja raro, é mais do tipo estúpido, mas vendo bem, é um bom exercício de escrita, e daqui a 10 anos será com certeza hilariante.
Assim sendo, não vou ser sério, seria um desperdício de seriedade, já tenho tão pouca… pois é, este sou eu há 10 anos atrás, no ano de 2014, lembraste? Pouco sério, mas com cabelo, uma ou outra branca.

Espero não ter mudado assim tanto, e que passado todo este tempo, esta carta te vá encontrar, ou que nos vá encontrar bem de saúde. Espero também que tenhas feito algo útil da nossa vida, em 36 anos não consegui grande coisa. Nunca fui de pensar muito no futuro, mas imaginava-me por esta altura casado, com três filhas e a caçadeira atrás da porta sempre carregada com cartuchos de zagalote.
Casei cedo, cedo demais talvez. É nisto que dá as pressas… Mas conto sinceramente que tenhas pensado bem no nosso futuro, e que não vivas sozinho, nem debaixo da ponte. Que tenhas pelo menos um canto teu, não é preciso que seja um castelo, um tecto humilde é mais que suficiente. Era bom que tivesses encontrado uma companheira, e que até tivessem uns rebentos, até pode ser só uma menina. Menina, ouviste? Tenta fazer alguma coisa de jeito...

Não imagino sequer no que estejas a trabalhar, a vida já deu tantas voltas, mas o que importa é que sejas feliz, que isso basta. Nunca vi este destino, nem quando a Mira descalçava as botas e me agarrava a mão nas suas encarquilhadas de velha, mas quem sabe esta linha foi traçada muito depois, torta, sem sentido. É curioso que estou a escrever para mim no futuro e pareço o meu próprio pai!

Disse que não ia ser sério, mas raramente faço o que digo. Agora pega num papel se ainda houver disso e escreve-te para daqui a mais 10 anos, vá, não tenhas receio. Mesmo que não te chegue às mãos, alguém é capaz de a encontrar por mero acaso em cima do guarda-fatos.
Com saudades,

Eu


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