tempo
O tempo arrastou-se pesado, deixando um tapete viscoso à sua passagem,
um gigantesco gastrópode enrugado e voraz, pingando muco pelo chão.
Carrega no lombo uma concha calcária, vitrificada e rachada numa das
espirais. Consigo ouvi-lo a arreganhar a rádula, desvio o olhar da sopa
que continua a rodar, uma fileira afiada finta-me pela boca, cego os
olhos vão de raiva.
Nunca nos demos bem, mas desde que lhe atirei uma pedra certeira para que andasse mais ligeiro, passamos a ser velhos inimigos, atormentando-me nas noites em que não consigo mergulhar no mar onde os sonhos se reflectem, condenando-me a vê-lo passar lento, somando segundos aos minutos, minutos aos quartos, quartos às meias e até meias às horas.
Volto-lhe as costas com desprezo, sem pedras ou provocações, é que o tempo tem destas coisas, amansa-nos, domestica os instintos e até os intestinos. Os egrégios avôs chamam-lhe paciência, sensatez, tolerância… palavras bonitas mas sem sentido, nascemos bravos para morrer dependurados, e no caminho fazem-nos aprender a lição, cinco vezes cinco vinte e cinco, não te levantes da mesa sem pedir licença, dom joão primeiro foi primeiro rei da dinastia de avis, duzentos e seis ossos constituem o corpo humano e nunca se atiram pedras ao tempo. Mas na minha tenra e rude juventude, só sabia que não se podia fazer a par, bater punhetas e mijar!
Queria acabar aqui, e acabava não fosse o toque da campainha anunciando o fim dos dois minutos. Que longos esses dois minutos em frente ao microondas, assistindo à lenta rotação da sopa, perdão, translação da sopa, ela não roda sobre si, roda na extremidade do prato, e cada volta leva 365 dias, 5 horas e 48 minutos.
Moribundo de fome, sento-me, e a sua asa já vai rasgando o celeste a grande velocidade, tão rápido que não distingo se é azul, se é cinzento. Na cabeça ostenta uma coroa negra, deixa-se cair lá de cima, parece uma gota de chuva, rápida e fria. Este é o tempo que voa, uma alomorfia do portento que roja, sempre presente quando desejo que o tempo não escoe na âmbula.
Nunca o vi disparar tão rápido como naquelas noites em que ela perdia a camioneta, e a próxima só passava uma hora depois. Gosto de pensar que às vezes fazia de propósito. Tínhamos sessenta minutos, num típico inverno frio e chuvoso, admirando grandes bandos de gaivotas sobrevoando as deterioradas construções da avenida, ficávamos por ali sentados, ou em pé abrigados na enseada de um prédio.
Quase sempre a conversa fluía sem peias, como bolhas de sabão soltas ao vento, estourando ao mínimo contacto com uma poeira do ar, logo outra tomava o seu lugar… Suportava-se o frio, os sapatos molhados, o estômago a roncar, e uma hora passava, vazando rapidamente por entre os espaços dos minutos. Depois ela entrava, pagava o bilhete, as últimas palavras trilhavam-se na porta automática e ficava à espera de me ver desaparecer por entre o fumo do escape.
Nunca nos demos bem, mas desde que lhe atirei uma pedra certeira para que andasse mais ligeiro, passamos a ser velhos inimigos, atormentando-me nas noites em que não consigo mergulhar no mar onde os sonhos se reflectem, condenando-me a vê-lo passar lento, somando segundos aos minutos, minutos aos quartos, quartos às meias e até meias às horas.
Volto-lhe as costas com desprezo, sem pedras ou provocações, é que o tempo tem destas coisas, amansa-nos, domestica os instintos e até os intestinos. Os egrégios avôs chamam-lhe paciência, sensatez, tolerância… palavras bonitas mas sem sentido, nascemos bravos para morrer dependurados, e no caminho fazem-nos aprender a lição, cinco vezes cinco vinte e cinco, não te levantes da mesa sem pedir licença, dom joão primeiro foi primeiro rei da dinastia de avis, duzentos e seis ossos constituem o corpo humano e nunca se atiram pedras ao tempo. Mas na minha tenra e rude juventude, só sabia que não se podia fazer a par, bater punhetas e mijar!
Queria acabar aqui, e acabava não fosse o toque da campainha anunciando o fim dos dois minutos. Que longos esses dois minutos em frente ao microondas, assistindo à lenta rotação da sopa, perdão, translação da sopa, ela não roda sobre si, roda na extremidade do prato, e cada volta leva 365 dias, 5 horas e 48 minutos.
Moribundo de fome, sento-me, e a sua asa já vai rasgando o celeste a grande velocidade, tão rápido que não distingo se é azul, se é cinzento. Na cabeça ostenta uma coroa negra, deixa-se cair lá de cima, parece uma gota de chuva, rápida e fria. Este é o tempo que voa, uma alomorfia do portento que roja, sempre presente quando desejo que o tempo não escoe na âmbula.
Nunca o vi disparar tão rápido como naquelas noites em que ela perdia a camioneta, e a próxima só passava uma hora depois. Gosto de pensar que às vezes fazia de propósito. Tínhamos sessenta minutos, num típico inverno frio e chuvoso, admirando grandes bandos de gaivotas sobrevoando as deterioradas construções da avenida, ficávamos por ali sentados, ou em pé abrigados na enseada de um prédio.
Quase sempre a conversa fluía sem peias, como bolhas de sabão soltas ao vento, estourando ao mínimo contacto com uma poeira do ar, logo outra tomava o seu lugar… Suportava-se o frio, os sapatos molhados, o estômago a roncar, e uma hora passava, vazando rapidamente por entre os espaços dos minutos. Depois ela entrava, pagava o bilhete, as últimas palavras trilhavam-se na porta automática e ficava à espera de me ver desaparecer por entre o fumo do escape.
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