espinho

Deixaste-me mais de um quarto de hora plantado, anelado na esplanada virado para o mar. Do sóleo inserindo-se no calcâneo, brotaram radículas fibrosas emergindo de um único feixe, enoveladas lentamente nas perneiras metálicas da cadeira. Bebi meio litro de água enquanto procurava o teu rosto nos gentios que passeavam, desinibidos pelo sol, apartada a conspiração das nuvens que traziam a chuva. Foi tempo suficiente para desencantar palavras parvas, confusas e difíceis, e depois as atirar ao papel como pedras, almejando corromper a tranquilidade da prosa.

Um desassossego instalou-se no meu ombro, pousou ao de leve, melro escuro sem olhos, bico alaranjado. E se tu afinal não vinhas? Devia-te explicações, mas podias ter decidido não as receber. Já não nos víamos desde Fevereiro, fui ter contigo ao Porto, esperaste-me em Campanhã. Ainda te lembras? Tinhas cortado o cabelo, usavas uma franja que ficava suspensa nos óculos de massa pretos. Levaste-me pela cidade no teu agitado smart, mostraste o que não conhecia, paramos naquele tasco, bebemos “finos” em vez de imperiais, ainda não era meio-dia. Depois descemos pela rua, agarrada pelo meu braço, trocavas os pés e cantavas muito alto. Convidaste-me para voltar e ficar no fim-de-semana seguinte, já tinha Coimbra nos meus planos…

E então tocaste-me, muito ao de leve pelo bordo da orelha já queimada do sol. Trôpego, preso pelas raízes, demorei um pouco a deslaçar-me delas. Tu sorrias, gostas de me ver atrapalhado, mal perco o norte entras em delírio. Adoro o teu sorriso.

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