carreiro

Antes de os ir buscar fiz umas compras na mercearia próxima do apeadeiro. A habitual boa disposição da proprietária não estava, parece que tinha empacotado os parcos haveres e rumado para Este. Daqueles lados sempre me avisaram que nem bons ventos nem bons casamentos, na altura não acreditei ou então queria ver pelos meus próprios olhos e fui jurar fidelidade a uma castelhana, até que a morte nos apartasse. A morte só apareceu mais tarde, numa noite sem céu, já nem havia vestígios de uma vida em comum. Entrou na cama, fria como a própria morte, entrelaçando os pés nos meus, abraçando-me pelo peito, sentia a sua respiração cadenciada junto do meu pescoço, e depois adormeci.
Mas adiante, voltemos à boa disposição que não estava, deixara no rosto agreste da proprietária a sua congénere, a tristeza. Um quadro típico deste país, rostos cinzentos em lamoja, atolados pela crise, arrastados pela azia que provocam palavras como austeridade. A mesma lengalenga de sempre, acusa-se indiscriminadamente sem se achar o culpado, uns dias é o governo, o mau tempo ou o bom, as autarquias, os novos e depois os velhos, as promoções, os cartões, os centros comerciais e os supermercados, refrescados artificialmente, onde as maçãs reluzem sob uma camada de cera e holofotes de luz branca.
Não lhe disse, mas em breve também eu deixo de cá vir, será menos um. Podia despedir-me, dar uma explicação para o meu súbito desaparecimento, mas prefiro assim, faço as malas, levo apenas o que posso carregar e não volto. Imagino que daqui a uns tempos comentem pelo café ou até aqui mesmo na mercearia. O que é feito daquele moço bem parecido, alto… (que foi? também tenho direito a divagar!) Qual? Aquele, o da bicicleta com um falar engraçado… Ah! O Cigano?! Esse mesmo… Num sei, deve ter voltado prá terra dele.
A terra, terrinha, pequena demais para as minhas maltesias… a semana em família passa num voar, mas não fico por lá muito tempo, levanto às costas as minhas tralhas novamente e procuro guarida em casa de amigos, assim como este que está prestes a chegar, no comboio das quinze. Lá para meados de Agosto, habituado ao calor e ao zumbido da mosca, arranjo trabalho na apanha da fruta. Dou descanso à cabeça, metido no meio dos ramos, dedos em ferida até ganharem calo, deixo a escrita, adormeço cedo.

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