arnês

Cinco letras, quatro horizontal, armadura completa…

Entre dois goles de café diz que me odeia mantendo a expressão com que saíra da cama, o ar altivo de baronesa bebericando pela fina loiça, massa de caulino, feldspato e quartzo. Um estranho à língua que presenciasse este comedido monólogo, decerto julgaria tratar-se de uma declaração apaixonada, e por suas palavras diria satisfeito que era amor e nada mais que amor o que ela sentia.

A palavra desprendia-se da sua boca sem esforço, deslizando num tapete acetinado. “Odeio-te” era declamado através do espaço, a manifestação terna soava a “amo-te”, mas quem diz “amo-te” nos nossos dias? Caiu em desuso, a conjugação verbal enrola-se na língua, travado no palato… boca escancarada para libertar o “a” aberto, qual peixe esperneando fora de água.
Uma vez sonhei que me tinha desabado a abóbada palatina, e no seu interior descobri que vivia um caranguejo de armadura mole, mergulhado num charco de águas salgadas. No topo da carapaça tinha gravado o rosto de uma bela gorgóna.

A pele branca, arrepiada pela aragem que sobe a rua e entra à sua procura, ilumina-se na proximidade dos raios solares. É magnetizante e isenta de marcas, apenas cortada obliquamente por esverdeadas veias. As mãos juntas seguram a chávena, tapa candidamente os seios nus com o interior dos antebraços. Nas costas direitas, os ombros relaxam, pernas que se cruzam ligeiramente, sexo que daqui onde estou só se adivinha.

Perseus with the head of Medusa by Theodor Charles Gruyere (1814-55). Ujazdów Park, Warsaw. (detail 1/9) by Adam Gut.

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