gentil

 

A estrangeira, que não me conhece assim tão bem, queixa-se do barulho dos vizinhos. Porquê que as pessoas não seguram as portas? Pergunta, sem ter como saber se sou dessa estirpe que larga a porta atrás de mim. Compreendo o que diz, mas não lhe sei responder. Nunca entendi esse acto de selvajaria. Não gosto do barulho que fazem por isso seguro a porta até se fechar. As portas que menos gosto são aquelas com mola que fecham lentamente e quando estão perto do fim, batem com um estrondo. A essas, difíceis de conduzir, fecho os ouvidos. Também não gosto de bater com janelas, nem com armários, gavetas. É como se tentasse preservar o silêncio, esse animal assustadiço. Acabei de ouvir a vizinha de cima bater com a porta. Essa é da estirpe dos que temem o silêncio e criam barulhos para os espantarem. Ela tem uma criação espantosa, desde os saltos no soalho até ao arrastar de móveis pela noite dentro. Pode ser essa a justificação. O medo do silêncio. Falarei sobre isso com a estrangeira na próxima vez que nos cruzarmos. E depois pergunto-lhe como sabia que sou gentil com as portas.