praia


Morrer na praia, disse a jovem. O homem sorriu pelo sentido duplo da expressão, enquanto espalmava com demasiada força um pedaço de regueifa na torradeira. Que diferença fazia morrer ali ou na praia. Mas ela discordava. Imagina chegar ao trabalho e morrer, que desperdício de último momento. Morreria triste. Ele gostava particularmente desta jovem. Ela tinha o dom raro da felicidade com que algumas pessoas nascem. Conversar com pessoas assim, mesmo que sobre a morte, funcionava como um antidoto contra todas as outras pessoas que carregavam às costas diariamente a tristeza e a lástima. Se fosse rápido, nem saberias que estavas a morrer, por isso nem feliz, nem triste. Observou o homem com demasiada brutalidade, intercalando as dentadas na regueifa com um copo de leite. Achas mesmo que se for assim o fim do mundo, não vamos ver a chegada? Havia agora uma tristeza represada na expressão da jovem. O homem lamentava não ter concordado que morrer na praia era realmente melhor, mas já não ia a tempo de apagar o que tinha dito. Estava velho, já tinha vivido quase meio século e aos poucos a morte vai morando ao lado, como uma vizinha silenciosa mas jeitosa, de quem se pensa mais do que se devia. Morrer feliz, pensava o homem, cada vez mais afundado num poço de tristeza. Morrer rodeado das pessoas que mais ama. Ou morrer repentinamente no meio das suas couves. Morrer numa praia quente, segurando um mojito bem gelado, sorrindo para o enorme cogumelo atómico a formar-se no horizonte. 



Comentários

  1. Mórbido, como sempre e, como sempre, uma escrita irrepreensível.
    Um abraço, Manel.

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  2. O senhor das tempestades não morre...

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