caldo
naquela hora de agosto a carruagem estava deserta. hesitou um segundo. parecia que a dificuldade de escolher um lugar aumentava de forma proporcional com a sua maior disponibilidade. agora que pensava nisso, olhando a paisagem ainda de um verde exuberante, apercebia-se que tinha uma tendência para se sentar do lado direito. continuou a analisar essa tendência sem ter outras urgências em que pensar. não era a paisagem. experimentara ambos os lados e quer num sentido, quer noutro, havia sempre pontos de grande interesse como extensos pinheirais e carreiros alinhados de vinhas, e outros absolutamente enfadonhos de conjuntos de prédios e blocos de cimento. é certo que estando disponíveis, sempre preferia os lugares próximos da janela, talvez pela claridade, ou então para apoiar a cabeça evitando o inconveniente toscanejar.
nas estações seguintes os lugares foram sendo ocupados. havia grupos de pessoas muito heterogéneos. podiam ser famílias, colegas de trabalho, ou simplesmente pessoas que se encontravam todos os dias no mesmo comboio. as suas conversas chegavam fatiadas, muitas vezes apenas fiapos, uma frase, um nome, ou algo incompreensível. podia ser isso, a escolha do lado direito para quem viajava voltado para a frente, podia estar relacionado com aquele sentido. a audição. perdida aos poucos, muito lentamente, daquele ouvido direito. podia ser isso. sentados atrás, não muito longe, alguém parecia ter sido contaminado pelos seus pensamentos. talvez eles fossem demasiado voláteis e tivessem dispersado pelo ar como pequenas sementes emplumadas.
já me estragaram o dia. já sei que tudo me vai correr mal. dizia uma voz um pouco chorosa, ou irritada, talvez. em resposta, uma outra voz mais calma, mais velha também tentava pacificar aquele quase pranto. é só um lugar. não pode acreditar que por não se sentar num determinado lugar isso vai ter consequências no resto do dia. é o que lhe digo minha senhora, vai tudo correr mal. quando não venho ali sentado, está o caldo entornado, é mesmo isso.
Eu tenho tendência a sentar-me no lado direito, de frente para o destino, quando vou para o trabalho e do lado esquerdo quando regresso. Não sei porquê e nem sempre consigo porque os lugares nem sempre estão livres o que não me incomoda, mas já me cruzei com batalhas motivadas por lugares no comboio...
ResponderEliminarinteressante... deve existir uma explicação qualquer para esses amuos dos lugares... algo ancestral :D tipo ramo de árvore
EliminarTanto tempo depois...e chega de comboio? De onde para onde? Pouco importa, afinal importa é que volta aqui. Bem haja, como dizem lá pela Beira.
ResponderEliminarvolto sempre, mesmo meio surdo, manco, sem nada pra dizer :) bem haja!
EliminarOlá, Manel!
ResponderEliminarVou fazer um rascunho tentando resumir um caso que aconteceu comigo na infância, que hoje, analisando-o à distância, me envergonha e faz rir. Contudo, na altura, lembro-me que fiquei zangada comigo mesma por não me ter ocorrido algo tão óbvio. Quanto à vergonha, não tive tempo nem discernimento para a sentir. Era tão pequena...sim, tem a ver com isso dos lugares sentados, neste caso foi um veículo todo aberto, mais concretamente uma charrete... :))
Beijos e abraços, Manel.
Ah, creio que deixei aquilo de fazer o rascunho incompleto... que cabeça a minha...vou resumir para não me alongar muito e depois ofereço-te esse meu caricato episódio infantil, ou seja, trago-o aqui. :)
Eliminareheheheh foi de mestre essa, criaste o suspense e depois nicles de episódio! estou em pulgas, traga lá esse caso que mete charrete e tudo :D
EliminarEu quero lá saber qual é o meio de transporte, seja ele qual for, o teu lugar È AQUI, à esquerda ou à direita, desde que não sejam de extremos, está tudo certo.
ResponderEliminarBeijinho afilhado
aqui me tens madrinha, nã muito inspirado é certo, mas tento :D
Eliminarbeijos e abraços