génesis
Elohim, ou o ser mais divino dos divinos, acordou de um
sonho agradável com um tipo de azia que não era usual. Aliviou a bexiga, mas a
azia continuava lá. Pensou então em ler um pouco e isso talvez lhe dissolvesse a azia e devolvesse o
sono. Foi só aí que reparou que habitava o vácuo, era ele, único ser e nada
mais havia para além da sua existência. Vivia rodeado de uma escuridão infinita e informal,
que até era agradável e silenciosa, perfeita para quando se faz umas duzentas
sestas ao dia, mas também podia ser um pouco limitadora. Não fiquem com a ideia
de que Elohim, o mais divino dos divinos, era um preguiçoso que passava os seus
dias a dormitar. É possível que sejam menos de duzentas as sestas e os cochilos,
foi só um número que usei para criar algum impacto, porque nem seria
de todo possível contabilizar as vezes que o altíssimo fecha os olhos
durante o dia. Isto até porque na verdade, nem há dias, pois o mais divino dos
divinos ainda não criou as estrelas, nem os planetas a girar no ar.
Abriu o livro que não existia para além da sua imaginação.
Questiona-se agora o leitor, se é desses que até gosta de ler, sobre que lê o mais divino dos divinos, nestas horas tardias, em que o sono se esquivou para outras bandas do vazio.
Portrait of God1981, oil, wax, dirt on tarpaulin, JULIAN SCHNABEL |