nada

 

 

Segunda-feira pareceu-me o pior dia de sempre. Mas é assim quando temos prazos a cumprir e pessoal a menos. O trabalho fica feito, mas com o sacrifício de alguém. Queixe-me. Fui todo o caminho a queixar-me, lamentando a situação a que cheguei. Faço a minha parte e a dos outros e nunca vejo a vida melhorar. Coisas destas, disse de mim para mim, que até a mim próprio me aborreci com tal choradeira. Estava mesmo quebrado, manco de um joelho e de alma também. Mais quebrado fiquei quando liguei as noticias e vi o que tinha acontecido durante a madrugada. Tanta destruição, tanta gente morta ou desaparecida em menos de dois minutos. E os que sobreviviam ao sismo, tinham agora de sobreviver à perda dos familiares, à incerteza dos que ainda estavam soterrados, ao frio, à fome. Isto sim era o pior dia de sempre para aquelas pessoas. O meu dia tinha sido uma agradável travessia, se virmos bem as coisas. Não tinha razões para me queixar quando tinha um tecto, jantar e a família à distância de um telefonema. Senti-me ridículo e egoísta. Muitos já pouco tinham e agora não tinham nada. Como será não ter nada? Como se dorme e acorda no dia seguinte para o nada? Como se vive quando não há nada?