fundido

 

A rapariga aproximou-se da nossa mesa a pedido da madrinha da noiva. Já a tinha visto, na distância, dançando em volta num vestido azul celeste. Mas só a conseguia ver ao longe, como se de repente sofresse de uma hipermetropia muito única que desfocasse apenas o rosto da rapariga de vestido azul celeste. Ela lê muito, como tu. Dissera a noiva aquando do convite. Comecei a sentir-me quente e embora já estivesse um pouco inebriado, os músculos anunciavam paralisar, enrijecendo fundidos aos ossos. O maxilar inferior colou-se com pressão ao superior, a língua caiu sobre o fundo da boca, fria, pesada, como um seixo encalhado na praia. Todos os olhares estavam colocados em mim quando ela finalmente se acercou, depois de ter atravessado no seu vestido azul celeste o centro da sala onde poucos dançarinos teimavam. Chegou quase junto às minhas costas, embora eu tivesse implorado que não a chamassem. Cumprimentou-nos, apresentaram-me, mas eu continuava sem a  ver, sem a cheirar e sem a ouvir, cego e feito de pedra. Talvez tenha conseguido murmurar um olá. Alguém resolveu embaraçar-me ainda mais perguntando-lhe a idade. É realmente demasiado jovem, disseram ainda à frente dela. Sim, dava para ver que entre o meu nascimento e o dela cabia uma era glaciar e uma extinção em massa.


Comentários

  1. Ao contrário do corpo, as almas não têm idade. Às vezes o corpo deseja coisas que infelizmente não consegue ter. O mesmo não acontece com o espírito.
    E eu comentei o post anterior. Foi para o spam?
    Abraço, saúde e bom domingo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. já salvei o comentário do spam, obrigado pelo alerta :)
      A Elvira acha mesmo que a alma nã tem idade? estava em crer que a minha era assim mesmo muito velha... e por isso muito apegada a estas coisas da idade... que de corpo até acho que estou jeitoso... acho :)
      abraço, muita saúde

      Eliminar
    2. Se até eu que não te conheço sei que és jeitoso, como não deve achar essa jovem, muito jovem de vestido de tafetá azul celeste, que até contigo falou?
      Quando era adolescente tive um vestido muito rodado em tafetá azul...será que acreditas na reencarnação. Eu acredito!
      Abraço, Manel. :)

      Eliminar
    3. ehehehehe, mas para reencarnar é preciso morrer!
      Nã sei se era de tafetá, o meu conhecimento nã vai tão longe... e o azul celeste, talvez fosse, talvez nã fosse, mas ficava bem por escrito :)
      abraço, boa semana

      Eliminar
  2. Texto muito interessante que gostei de ler
    .
    Feliz domingo. Saudações poéticas
    .

    .

    ResponderEliminar
  3. Felizmente, casa-se cada vez menos... já lá vão uns anos desde a última vez que me submeteram aos protocolos inquisitoriais que acabam com alguém a achar que estou a ficar velha e portanto tem que me dar um empurrãozinho que acaba num grande constrangimento... Graças ao sinhor!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. é péssimo... e a diferença de idades era tão violenta que ela nã sentiu o mínimo constrangimento
      espero mesmo que ainda haja icebergs quando for velhote e que me deixem num para morrer

      Eliminar
  4. Nunca tive interesse por homens mais novos, contudo...olhe a mais recente prémio nobel que escreve sobre um amor entre uma mulher de 50 e um jovem de 25...normalmente é o inverso e são os homens a interessarem-se por mulheres jovens. Não sei, não classifico essas coisas, fundamental é mesmo o azul celeste)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. serei retrogrado por achar que diferenças de idade tão grandes são impedimentos ao entendimento de um casal? talvez tenha receio da novidade, ou de nã estar à altura... os tempos realmente são outros e é por vezes complicado acompanhar, ou tentar :)

      Eliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares