orelha

Começou junto ao pescoço, metal frio, escalando a nuca suavemente. Depois avançou com as tesouras, mais indecisa do que o costume. Talvez fosse a minha impaciência, o dia de horas contadas, as pernas que não se queriam quietas. Evitei olhar os minutos, o atraso que avançava cada vez que a barbeira parava por qualquer outro cliente que se permitia a entrar. Foi de súbito. Senti uma picada. Um beliscão gelado e o sangue começou a libertar-se em bolas. "Cortei-te a orelha?" Foi só um arranhão, na verdade o resto ainda lá está, respondi olhando o velho no reflexo com as duas orelhas ainda apegadas à cabeça e um sorriso sintético de dor e horror a sangue. 

Paul Gauguin – Vincent van Gogh painting sunflowers –