irritações

 

Ultimamente tenho dormido sem dar conta disso. O sono é tão repousante que não sonho, ou se sonho, nem me lembro. E talvez seja só uma impressão, mas parece que acordo no mesmo sítio e na mesma posição em que adormeci, deitado sobre o lado esquerdo. Estou realmente encantado e nem me aborrece os bocejos descontrolados assim que a luz do dia começa a rarear. Adormeço cedo e acordo cedo. Talvez demasiado cedo, mas agrada-me que ainda seja noite e que seja natural, muito antes do despertador tocar. Pode ser uma consequência da mudança de estação, o aproximar dos dias curtos e frios que pedem mais descanso. Ou um gene de hibernação remanescente, deixado algures no nosso código desde o tempo das preguiças gigantes. Estou encantado e irrito as pessoas que não conseguem dormir. Também irrito as que não apreciam os céus cinzentos e o som da chuva. Nos últimos dias maravilhei-me com os arrebanhados de folhas das árvores junto às grelhas de saneamento, que criavam excêntricas lagoas de água da chuva que cobriam os passeios. É tudo muito belo. Mesmo o chapinhar dos carros. Mas dificilmente consigo partilhar toda esta beleza sem causar umas quantas irritações. E o frio, ainda nem falei do frio que me dá tanta tranquilidade, uma paz grande. Aspiro-o numa grande lufada, sob o peso das várias camadas de roupa da cama. E ele adormece-me, anestesia-me os sentidos. Não há batimentos irregulares, suspiros, ânsias… é quase inaudível a despaixão. Arrisco dizer que só se ouve o sono profundo.