クモ

 クモ (kumo) ou aranha

Eram deveras surpreendentes os modos da pequena Milú. No início e no fim de cada frase, sempre que se dirigia ao Conde ou a qualquer outro membro da distinta nobreza, a aranhita executava uma singela vénia, exactamente como as damas fazem na corte diante da realeza, segurando com cuidado de ambos os lados o seu vestidinho de teia finamente trabalhado. Mas não era só isso, não senhor, a jovem aranha também tinha bons modos à mesa, sentando-se sempre com os pezitos peludos cruzados, muito direita e mantendo de forma muito solene os cotovelos afastados dos finos brocados. E era delicioso vê-la segurar a chavenazinha de porcelana imari com motivos florais dourados, vermelhos e azuis vivos, durante o habitual chá das cinco. O seu dedito mais piqueno apontado ao céu, o guardanapo perfeitamente dobrado em dois no colo. O Conde levava-a consigo a todos os eventos, mesmo os mais aborrecidos que sucediam quinzenalmente no Ungentlemanly very Gentlemen’s Club, onde Milú recitava em francês e muitas vezes em japonês, haikus de Masaoka Shiki:

esmaguei a aranha /e com frio /passei sozinho o resto da noite

kumo korosu / ato no sabishiki / yosamu kana

Recebia sempre mil aplausos. Em pouco tempo, uns meses apenas, Milú tornara-se na atração principal. Todos a queria ver de perto usando e abusando dos monóculos e pince-nez, tentando copiar-lhe os modelitos, apreciar-lhe os seus modos polidos, solicitar um auto-retrato ou então que tecesse com eloquência um ou dois elogios. 

O Conde não podia estar mais satisfeito, pois também ele possuía um ego equivalente a mil mamutes lanosos que necessitava de ser constantemente alimentado e nunca se cansava dos elogios, nem das gratificações que recebia às custas da sua pequena e habilidosa pupila. Por isso, quando Dona Luísa de Corner & Key desceu da sua berlinda reluzente, puxada por quatro belíssimos cavalos percheron, em frente da escadaria do palacete do Conde, este mandou o criado dizer que estava ausente. "Viagem de negócios, volto em breve, lá para o Natal."

Ōide Tōkō


Comentários

  1. Seja em sonho
    Ou leve pensamento
    As tuas palavras esvoaçam ao vento.

    Aonde te inspiras
    Como é que consegues?
    Ah, todo tu és feito de alento!

    Brisa suave
    Mente brilhante
    Milú, Milú, pergunta-lhe lá tu!!

    Conde de Lagareyro nobre e sedutor
    Quisera eu ser feiticeira
    E a deusa das deusas seria o teu amor.

    Se a Dona Luísa Condensa de Corner & Key
    Te visitar e no teu Palácio se apear
    Recebe-a com um sorriso...Ela merece.

    * * *
    E agora, sim, haikus de verdade

    E tu, aranha
    como cantarias
    neste vento de Outono?

    (Matsuo Bashô)

    Apaixonado
    O gato esquece o arroz
    Colado aos bigodes

    (Tan Taigi)

    Beijos, Manel.
    Sonha e escreve.
    Escreve e sonha.

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    1. que maravilha de comentário... escreverei sim, alentado pela tua poesia e entusiamos. Obrigado.
      beijos

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  2. Que maravilha de texto!

    Muitos parabéns ao Sr Conde!

    E adorei a imagem! Mas onde é que o Manel descobre estas coisas?

    Um abraço do Algarve e votos de bom fim-de-semana!

    Sandra Martins

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    1. as imagens guardo quando as encontro, às vezes são elas que conduzem os textos. Obrigado, um abraço e boa semana

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