carapaça

Este texto é apenas e meramente uma história de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real, terá sido mera coincidência. 

 Sr. Polvo acordara certamente com os tentáculos de fora. Embora o dia estivesse a começar, já havia motivos de sobra para dar meia-volta e regressar à toca, dando a jornada como terminada. Aquele maldito horóscopo bem que o tinha avisado.: “Cuide-se, não deixe a sua concha, não se meta onde não é chamado e sobretudo, não escolha lados, deixe afundar”, mas achou que era tudo uma treta pegada, como se a posição de meia dúzia de astros no céu, pudessem de algum modo prejudicar a sua pacata vida. Pois bem, tudo começou ainda no transporte para a cidade, quando deu pela falta dos óculos em frente aos seus olhos. Como é que isso é possível? Barafustou consigo próprio, lamentando não conseguir prosseguir a leitura dos Irmãos Kamarõez do Dostoievski. Quando chegou ao trabalho, as coisas complicaram ainda mais. Para além de lhe faltarem os óculos, tinha havido uma discussão entre a menina Navalheira e o Sr. Santola e o ambiente era de cortar à pata. O Sr. Santola foi o primeiro a ir ter com o Polvo, apresentando o seu caso e os motivos que tinham levado à desnecessária discussão. “Aquela decapoda falsa… já não aguento”. O Sr. Polvo respirou fundo. Tinha a sensação de estar voluntariamente a aprisionar-se naquele enredo. Pensou no que havia de dizer, mas ambos tinham personalidades duras como as suas carapaças e por isso estavam constantemente em conflito. “Tens de ter calma, disse, discussões dessas não levam a nada”, “Pois, bem sei, disse o Sr. Santola, mas já estou farto, não sei como vocês aguentam, ela acha que manda. Sempre a dar ordens, sempre a querer destacar-se… exaltei-me!”. O Sr. Polvo já conhecia o rol de acusações de cor e salteado, mas pouco podia fazer. Ele não era o encarregado, não era o superior, apenas um octapoda que conquistara a simpatia e a confiança dos outros. Por isso sempre que havia um problema deste tipo, ele era a pessoa certa para desabafarem. Mas aquele não era um bom dia, tanto tentáculo ao frio, o mundo das letras desfocado… Um café, pensou, preciso muito de um café. Estava precisamente a levar a chávena à boca, os olhos semicerrados para que nada corrompesse o momento e senta-se diante de si a menina Navalheira. “Já soubeste que discuti com aquele parvo?” Sr. Polvo respirou fundo pela nonagésima vez. Esta versão era ligeiramente diferente da anterior. “Aquele só tem a forma de coração, porque de resto é uma pedra.” Queixava-se a menina Navalheira, fazendo referência à pouca inteligência do colega a quem só queria ajudar. Sr. Polvo resolveu abrir o jogo, dizer que estava farto que ambos o procurassem para se queixarem um do outro. “Ele fez queixa de mim?” Berrou a menina Navalheira, com a sua imensa pinça aberta junto ao peito, tentando parecer o mais inocente dos crustáceos.

Comentários

  1. Carapaça ou carapuça
    ficção ou realidade,
    o que eu te sei dizer
    é que com o olhar de gula
    com que o octopus
    mira as miudezas do deus Neptuno
    não me admiro nada que
    o transforme num___
    ___eunuco.

    Beijo, Manel. :)

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    1. nã, nã, ele nã está a mirar o deus, acho que está a fugir dele :)
      aquilo são olhos de pavor, nã de amor
      beijos, Janita

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  2. Louvo a coragem do Sr. Polvo e para a próxima acrescente ainda mais qualquer coisa...do tipo: olha, ouvi dizer que os opostos se atraem:)

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    1. aqueles são iguais, decapodas teimosos :)
      nã será coragem, mas sim uma forma de mortificação, penitência pelos pecados cometidos...

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  3. Precavido, não meterei minha colher torta. Registro, porém, que gostei da tensão na narrativa, da atmosfera, da ficção, ou do "fingimento poético", pois permite ilações sobre sobre o comportamento humano, digo dos animados.
    Um abraço,

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    1. agradeço-lhe muito a opinião, é bom saber o que os outros pensam :)
      abraço

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