سلام
*salaam (saudação) Paz!
O cheiro mofado das antiguidades misturado com o perfume da maledicência, levaram-me a sair em direção ao ar fresco por uma das grandes janelas voltadas para o jardim. Era muito mais bonito do que me lembrava, ou então era a primeira vez que o via com olhos de ver, na sua geometria rigorosa quadripartida, ladeado de pavilhões, sebes de murta aparada e árvores de fruta em abundância. Junto a um dos canais que abastecia a fonte central, uma criança pequena brincava, rodeado da ama, diversas aias e dois guardas. Era o pequeno príncipe, que tentava sem sucesso armar uma frota de papel. "Salaam" disse-lhe. O pequeno não tinha dado pela minha presença até o ter cumprimentado e agora olhava-me num misto de curiosidade e supressa, abandonando a frágil frota à sua sorte. "Sabes, o meu pai é muito forte." disse o pequeno príncipe, "o meu pai é o Hulk". "O Hulk?" perguntei ao pequeno, pensando ter entendido mal, apesar da claridade da sua voz e da pronunciação correta. "Sim, o Hulk" respondeu impaciente por ter diante de si um ouvinte tão fraco e pouco inteligente. "Muito forte realmente, mas diz-me, também é verde como o Hulk?", "Sim, já te disse, é forte e verde!" Respondeu o príncipe, irritado com a minha picardia, voltando-me as costas para se dedicar novamente às conquistas navais.
"Parece-me que não foram formalmente apresentados... sua Excelência" interveio a ama num tom que tanto podia ser de ralhete como ternurento, "Dom Trovisco, Conde de Lagareyro". O pequeno esticou a mão e como se fosse um adulto apresentou-se "Ṣalāḥ al-Dīn Yūsuf ibn Ayyūb " que traduzido foi algo como sou o Salvador, filho do Filipe Alves. "Muito prazer, sua majestade" disse-lhe, fazendo uma vénia. O pequeno príncipe não estava muito satisfeito com o rumo que a conversa levara, mas também não se dava por vencido, apesar da nossa diferença de idades e de eu achar que era muito mais inteligente que uma criança. Por isso perguntei o que se pergunta sempre quando estamos diante de um pequeno príncipe: "Quantos anos tens?" Oh, era mesmo isso que ele queria que eu perguntasse, porque esta ele sabia responder e de forma alguma ia conseguir ludibriá-lo com as minhas perguntas traiçoeiras. "Tenho três anos!" anunciou com os três dedos do meio levantados. "Três?" perguntei duvidando da capacidade do príncipe conhecer essa coisa complicada que são os números. "Sim, mas amanhã faço catro" Corrigiu sua excelência. "Amanhã?" voltei a duvidar da veracidade das respostas do príncipe. "Não é bem amanhã, é mais para depois de amanhã, depois, depois." Completou, começando a ficar enleado na trama. "Então sua majestade faz quatro anos em Setembro, é isso?" Ao que ele respondeu: "Sim, catro em setembro e depois cinco..." Aquela história ia bem aviada, o príncipe já me levava na cantiga, mas eu estava curioso e deixei-me ir. "Eina, cinco anos é muito, que crescido!" Ao que ele rematou: "E depois seis..." E eu aproveitei:" E aos seis vais para a escola, já viste que maravilha!" Convencido que todas as crianças querem muito ir para a escola. "Não" disse o pequeno "Depois é os trinta!" Ora esta é que eu não estava nada à espera, os trinta assim num repente, por isso arrisquei perguntar: "Trinta? isso não é muito? Sabes quanto é que falta para fazeres trinta?" Perguntou o génio da matemática, sim, Dom Trovisco, eu mesmo, ao que o príncipe me respondeu "Faltam os números que vão chegando!"
Chupa camarão!, ó Polvo dos Algarves e Além-Gare do Oriente! Os pequenos príncipes ainda não foram corrompidos pela matemática dos crescidos chatos. 😂
ResponderEliminarfoi uma pequena grande lição :D
EliminarQuando perceber a forma como a cronologia condiciona, perceberá como o ano do seu nascimento contribuiu para que tivesse nome de 'beto'. Ele e os outros 20 Salvadores com quem vai partilhar o recreio da escola...
ResponderEliminarpior será se na vida o seu trabalho for de nadador-salvador :)
Eliminartanto nome bonito realmente, como Manuel por exemplo....
Tiveram o seu tempo. Os irmãos da minha mãe são todos Manuel qualquer coisa. São quatro, ninguém os trata por Manuel...
Eliminar...aqui dentro do meu ambiente mofado mas, felizmente, livre de maledicência, ainda não fechei a boca, desde que iniciei a leitura desta conversa entre gente da realeza e afins...Ah, Senhor Dom Trovisco, Conde de Lagareyro, desculpai todo o meu atrevimento das vezes anteriores em que a si me dirigi...e, de arrecuas, me retiro...
ResponderEliminarehehehehehehe, muito bom :)
Eliminarcomo nã sabias que sou conde? farto de me dizer que sou um conde anarquista, primo directo do deposto Príncipe da Roménia :D
E "mai-nada"! Sábia, sua Majestade.
ResponderEliminarSeja bem vindo, Sr Polvo, que é Conde ainda por cima !
Um abraço do Algarve,
Sandra Martins
mui sábio, sem dúvida :)
Eliminarobrigado, já tinha saudades de por cá andar...
abraço daqui
Um texto engraçadíssimo. Os pequenos príncipes são todos muito inteligentes. E as pequenas princesas também. Têm sempre aquela resposta que nenhum adulto é capaz de antever , na ponta da língua, Senhor Conde de Lagareyro.
ResponderEliminarAbraço e saúde
era essa a ideia, narrar a inteligência deste pequeno mas num ambiente ligeiramente diferente do real :)
Eliminarboa semana, saúde e abraços
Condes, Príncipes.... Um Real regresso, Manel! :)
ResponderEliminarsinto falta das aventuras de piratas e dos plágios à desgarrada :)
EliminarJá lia mais um bocadinho destas conversas, continue Manel...
ResponderEliminarFazem-nos falta as doses de irrealidade das crianças.
~CC~
infelizmente a conversa ficou por ali... uma lata de azul brilhante cheia de chocolates levou o interesse do príncipe :)
Eliminarhoje li qualquer coisa como que as pessoas falarem a linguagem dos números e da música... talvez o príncipe....
ResponderEliminarhum muito possível sim :)
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