invertido

 No mesmo apartamento viviam várias pessoas. Novos, velhos, mulheres e homens. Eu dormia na única cama que havia, colocada no meio da sala, todos os outros dormiam no chão. Já há muito tempo que não sonhava com o apartamento da varanda, onde vivi antes de casar. A cama no sonho ficava mesmo de frente para a porta da cozinha. Mas o tempo não era o dessa altura. Apesar do apartamento ser péssimo, numa rua cheia de prostitutas e camiões do lixo, foi um bom tempo. O sonho parecia acontecer num futuro negro, ou num universo paralelo, com portais e migalhas no soalho. Também havia muito barulho, várias línguas misturadas e pratos a serem preparados quando sai de estômago vazio. Ilegais talvez, que desviavam o olhar quando nos cruzávamos. O sol começava a nascer por detrás dos altos edifícios cinzentos. Devia ter deixado roupa a lavar, pensei. 



Comentários

  1. Há um desconcerto qualquer que se instala mas não sei explicar, quando nos reconhecemos no privilegiado.
    O menino não acha? Hum?

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    1. menino :)
      já há muito que ninguém me trata por menino...
      sim, é uma sensação que me acompanha desde os seis talvez... quando percebi que havia crianças que nem família tinham, é claro que outros até a tinham e preferiam nem ter... sempre fui um privilegiado. sabe-lo traz-me algum conforto porque se o sou devo-o a pessoas que gostam e gostaram muito de mim, mas por outro lado, sinto que não contribuo em nada para ajudar os que não o são... e isso é uma merda

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    2. Ai menino! Também não há porque se sentir assim... não podemos carregar o peso do mundo às costas. Todos seremos em algum momento seremos os que não têm lugar na cama, os que não falam a língua local... a perspectiva inverte.

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    3. nã sei se é carregar peso, mas a verdade é que dificilmente me coloco no papel inverso. sempre tive lugar, sempre me fiz entender, ninguém me deita mais abaixo que eu próprio... talvez ao longo da vida alguém tenha tentado, os franceses são muito bons nisso, olham de cima a baixo como se fossemos lixo, mas acredita, não deves conhecer ninguém neste mundo mais privilegiado que eu :)

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    4. Os bretões, a mim olham sempre de cima mas a culpa é do meu quase 1,50 m de altura.

      Não sei se mereces esse posto... a verdade é que não te conheço de facto.

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    5. o napoleão tinha 1,68 m e o hitler, supostamente, 1,75 m, logo, lá porque te olham de cima, nã quer dizer que te façam sombra :) na verdade, até podem e se estivesses no deserto, isso podia ser uma grande vantagem.
      ok, nã me conheces, é certo, mas se eu der provas plausíveis, escrever tipo uma tese a comprovar aquilo que digo... ai, se calhar, até mereço...

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  2. O drama dos que são obrigados a sair do seu torrão natal para conseguir sobrevive...à miséria e à tirania dos governantes. Isso mexe com a sensibilidade de todos, em especial com os que, embora por outros motivos, também vivem longe do carinho dos seus.
    Agora, dito que foi que não podes carregar com o peso das injustiças que grassam pelo mundo afora, pára tudo. Li algo que me fez esquecer o que antes disso e depois tu escreveste, Manel.
    "......o apartamento da varanda, onde vivi antes de casar. "
    Mas tu casate na vida real ou foi no sonho? Esclarece-me já isso tudo antes que me dê um badagaio..É que sonho ir ao teu casamento... vestida de traje negro e longo, trança loira postiça, à volta da cabeça, castanholas em riste e sapatos de tacão grosso com protectores de metal na biqueira, para dançar Flamenco. Até já tinha pensado no meu par e tudo. 🧐

    Beijos, Manel. Gostei tanto de te ver... 👍 🤩

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    1. ehehehehehe, só tu para me fazeres rir até me doer as costelas...
      casei há vários séculos atrás... e foi curioso ter ido repescar aquela casa depois de tantos anos sem pensar nela. acho que dá para casar várias vezes... embora, não querendo ser um desmancha prazeres, eu nã teria muitas esperanças em que isso aconteça de novo :) no entanto, gostava de te ver a dançar flamenco, com a trança postiça e as castanholas... o que torna tudo muito mais possível, mesmo que improvável :)

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