orgiile
Abrigamo-nos da chuva numa paragem vazia, até que aos poucos as forças voltassem às pernas. Aproximou-se outra vez, desta para me cheirar profundamente. Tangerina! Disse, cheiras a tangerina. Do bolso do sobretudo tirei um embrulho de papel de seda enrugado que continha um único fruto. Foi um presente. Expliquei, sem vontade de a partilhar. Oh, estou espantada! Que te aconteceu? Há três mil anos ofereciam-te festas, orgias, várias cabeças de gado, sacrifícios humanos e agora recebes uma tangerina… que favor realizaste em troca de tão singela oferta? Vá, conta, estou a morrer de curiosidade. Disse a deusa com um sorriso sarcástico e os olhos ainda mais brilhantes. Foi só um presente, respondi com pouca ou nenhuma certeza, guardando o precioso e perfumado embrulho no bolso. Era estranho, não tinha pensado nisso antes, mas a verdade é que era raro o dia em que não me ofereciam alguma coisa. Na segunda-feira bolo caseiro, na terça pacotes de chá, quarta-feira foi mentos de mentol… estava tão habituado que não estranhava. Continuas a achar que gostam de ti pelos teus lindos olhos. Eles não são teus amigos, só te querem usar, não percebes? Ninguém quer saber de ti, são todos uns egoístas, enchem-te de presentes insignificantes para que lhes tornes a vida mais agradável. Um autocarro vazio parou suavemente junto ao passeio cortando a conversa. A deusa enlaçou o braço dela no meu e fez desaparecer a mão gelada no meu bolso. Orgiile erau amuzante*, sussurrei, fazendo os olhos da deusa rirem.
Joseph Kuhn-Régnier |
*As orgias eram engraçadas.
Olha, Manel...só te sei dizer que adoro deixar-me envolver nestas voltas e reviravoltas que vais criando com estes teus deliciosos textos. Quanto ao mais, como de deuses e deusas nada percebo, pois sou o mais terra-a-terra que pode existir à superfície da mesma, nada mais posso acrescentar.
ResponderEliminarLamento, sei que é pouco para um Deus da tua grandiosidade, mas é o melhor que tenho para dar...
Beijinhos venerandos. :-)
oh céus! que mais posso desejar do que a tua leitura atenta e comentários poéticos? obrigado pela tua generosidade, nã sou digno :)
Eliminarbeijos
Achas que se eu não te soubesse digno e merecedor de toda a minha atenção, ainda te vinha ler e falar contigo? Nãããã...generoso és tu, que tens sempre uma palavra simpática para todos quantos te visitam. Fica bem e cuida-te. :)
EliminarLevaste-me rapidamente para uma paragem no caminho de Santiago, durante a tarde, numa paragem de autocarro, onde comemos (não uma tangerina) mas uma maçã.
ResponderEliminarDescalçar as botas, deitar no chão e elevar os pés que repousaram no banco estreito que acolhe por vezes os passageiros. Têm o seu quê de mágico estas lembranças.
(fugi do teu cenário Olimpico)
oh, que maravilha! fico por feliz pelo feito :) já valeu a pena
EliminarHellooooooooooo... Sou eu, compadre!
ResponderEliminarEsqueceste o caminho disto, Manel?
😘 🙂
nã esqueci, comadre :) só ando com as letras fugidas
EliminarEntão boa noute, estou vendo que as deusas não te largam :)
ResponderEliminarsó para me levarem à loucura :)
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