quelquefois

Na quadragésima sexta semana do ano, e a pouco mais de seis do ano terminar, aconteceu os astros se alinharem de forma perfeita e resultou daqui a melhor semana de sempre. Já um destes dias, talvez no mês passado, tinha presenciado o melhor dia do ano, e quando digo "o melhor" não é um exagero, e entendam, não é o melhor do tipo "ganhar a lotaria" ou "conhecer o amor da minha vida", é uma coisa mais universal, em que parece que toda a gente acordou bondosa e com um sorriso radiante. Se calhar eu já tinha vivido a experiência: "o melhor dia do ano", mas estaria distraído e não reparei. Desta vez saltou-me aos olhos mal saí de casa em direcção à paragem, quando me cruzei primeiro com uma mãe e um filho que conversavam animados sobre algum assunto, e de seguida estava um jovem e uma senhora junto a um cão, e o cão lambia a cara do jovem enquanto este lhe fazia festas, e a senhora estava feliz, por o jovem ser simpático e não ter fugido do cão que lhe havia trepado pelas pernas. Estranhei esta sucessão de acontecimentos, quase na mesma rua, depois inspirei o ar longamente e senti que algo diferente havia na atmosfera. Escusado será dizer que não consegui explicar à maioria das pessoas que aquele dia era especial, mesmo que elas se sentissem mais amáveis e receptivas, é necessário ter um olfacto apurado como o meu. 
O melhor dia do ano passou e não escrevi sobre ele com receio de magoar alguém que tivesse tido um dia muito mau, embora eu acredite que foi um dia muito bom para toda a gente, porque mesmo acontecendo coisas más, elas foram melhor suportadas porque toda a gente estava "melhorada". 

Enquanto escrevo, a copa da árvore que fica em frente à minha janela, vai perdendo as folhas uma a uma. Da mesma forma vou explicar então porquê que esta semana que hoje termina foi a melhor de sempre, ou a melhor que eu me lembro. Como foi uma semana inteira, é possível que nem toda a gente tenha sido abrangida pela disposição dos astros, e espero que não levem a mal a minha semana ter sido a melhor, e espero também que entendam o porquê de a considerar a melhor, embora alguns dos acontecimentos são fugazes e até banais, outros salvaram a vida ou poderão vir a salvar. 
Segunda-feira acordei com umas dores terríveis nas costas e decidi que era o dia ideal para me inscrever em aulas de yoga. Não é um daqueles acontecimentos espectaculares, e estava longe de imaginar que era o início da melhor semana de sempre, mas o dia correu muito bem e a menina da recepção é muito simpática e disse que por eu ser muito simpático tinha direito a um desconto e uma toalha de oferta... embora me pareça que toda a gente tem o mesmo desconto e a mesma toalha, mas vou acreditar por conveniência que só eu fui gratificado com a simpatia dela. 
Terça-feira tive a primeira aula de yoga e fui apresentado a alguns músculos que desconhecia existirem. Não vou explorar muito o assunto, deixo para outra altura mais conveniente, mas as minhas costas estão mil vezes agradecidas só com uma aula.
Quarta-feira um colega caiu de um andaime e felizmente não partiu nada, embora toda a gente temesse o pior quando ele se queixou de não sentir as mãos e as pernas. Já me aconteceu não sentir praticamente nada do pescoço para baixo, mas acho que o próprio corpo se protege bloqueando a condução de impulsos nervosos. Ninguém ganhou para o susto.
Quinta-feira comprei uma viagem por vinte euros. Foi aqui que entendi que esta semana era capaz de ser a melhor de sempre.
Sexta-feira fui ajudar a servir mais de duzentas refeições para sem-abrigos e à noite, já na minha cama debaixo de um edredão de penas, senti que tinha muita sorte na vida e que não podia ser mais abençoado. Devo acrescentar que não me agrada muito este tipo de acções, acho que o estado devia zelar por estas pessoas, e claro, há sempre quem não precisa, mas explora estas oportunidades. Acho que é necessário restabelecer a dignidade das pessoas, mas compreendo que isso seja difícil e envolve muitas outras coisas. O mundo está longe de ser perfeito, mas eu não vou desistir de acreditar.
Sábado encontraram um dador de medula para um miúdo de onze anos, sobrinho de um grande amigo. Se havia dúvidas sobre a qualidade desta semana, ao receber esta notícia tudo se tornou muito evidente.
Domingo, e não se escandalizem com a vulgaridade, encontrei uma meia que estava desemparelhada fazia precisamente hoje cento e cinquenta dias. A minha teoria da máquina comedora de meias foi arrasada, mas ganhei um par de meias.
O dia ainda não acabou, por isso tudo de bom pode acontecer, na melhor semana de sempre. 

Comentários

  1. Acredito que a capacidade de selecionar - no sentido de lembrar, dar mais importância - as coisas boas em detrimento das más ajuda. É um exercício que deveríamos todos fazer diariamente, mas concedo que não é fácil.
    Bom domingo!

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    1. Usar óculos pode ter ajudado a ver menos as coisas más, ou a ver melhor as coisas boas, é uma teoria que nã explorei! Espero que estejas a seleccionar as melhores, continuação de bom domingo.

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  2. Estou a gostar de ver!
    Apesar das dores nas costas, que não devem ter sido poucas , o susto com a queda aparatosa de um amigo, o contacto com a triste realidade do mundo dos sem abrigo, etc. e tal, vejo que não te lamentas dos azares da vida. Pelo contrário, acreditas que coisas melhores ainda virão. A isso eu chamo ter pensamento positivo e maturidade para encarar as coisas como elas são. E ainda o dia não terminou.
    Muito bem, Manel. Um dia destes até gostaria de te ver mudar o nome para
    Manel Bom-Tempo.

    Beijos de boa semana Cigano, mesmo que chova a potes.


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    1. o bom da dor nas costas é que me levaram a experimentar algo que já há muito gostava de experimentar e o bom da realidade é que nos ajuda a dar mais valor ao que temos. Agora, mudar de nome, isso nem pensar, porque mesmo o mau tempo é necessário, ou não é?
      beijos e boa semana, Janita!

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    2. Eu sei que não mudarias o nome, Manel. :)
      Estava só a entrar contigo....e claro, o mau tempo também é preciso, e muito, sobretudo, a chuva.

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    3. faz-me muita falta a chuva, o granizo, inundações, ventos fortes, trovoadas e relâmpagos...

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    4. ...ou não fosses tu o Deus das tempestades!! :)

      Estive a reler o teu texto. Sem sombra de duvida que, a melhor nova, a que fez a semana ser a melhor do ano, foi a de sábado. Que bom ter aparecido um dador de medula compatível. Também esse menino teve a sua melhor semana de todas...
      Espero que esta semana também seja uma das boas, Manel.
      Um abraço.

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  3. Meu afilhado mailindo quinté, ler-te, assim tão animado até a mim animou, sabes que eu e o tempo cinzento e frio somos inimigos da cabeça aos pés. Mas como ia contando, e não é dinheiro, adorei sentir-te assim, ganhei a tarde de domingo :-)
    Usar óculos não é assim tão mau, há coisas muito piores.
    Beijocas da madrinha

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    1. pois, a madrinha desanima no cinzento, mas eu arrebito quando as árvores perdem as folhas! se a minha partilha ajudou a suportar melhor, fico feliz por ter conseguido. boa semana, beijos do afilhado.

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  4. Eu não lhe dizia que o Yoga é fantástico?! Mas não fuja quando for a posição da árvore, do cão e outras que custam como o diabo:) Leve um tapete e o tombo será suave. Quem sabe até foram as saudações: um Namasté ou um Xanti podem fazer milagres....seja lá como for brindemos a mais semanas dessas, venham elas.

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    1. oh diabo! há posição da árvore e do cão? só sei do camelo e do burro sentado... mas houve uma de pernas para cima e cabeça para baixo que nem tentei, e outra de segurar os dedos dos pés... mas os meus paravam muito longe e lá os deixei.
      É possível que haja mais semanas parecidas, todos andamos a precisar delas.

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