Memória
Não consigo precisar se será mesmo a primeira memória, mas pelo local onde me encontro, e por não existirem registos fotográficos dessa casa, é bem possível que seja mesmo uma das primeiras memórias de uma infância muito feliz. No Natal de 1981 o meu pai comprou à vizinha uma bicicleta que pagou em três prestações. Era uma bicicleta vermelha, com um par de rodas de apoio e pneus sem câmara-de-ar. Durou alguns anos, primeiro nas minhas mãos, depois nas mãos do meu irmão, até acabar numa fogueira por altura dos santos. Não me recordo de a receber no Natal de 1981, mas recordo-me da altura em que o meu pai retirou uma das rodas de apoio e de andar nas traseiras da casa, agarrado a um murete que me auxiliava no equilíbrio. Devia ter perto dos quatro anos de idade. Lembro-me da minha mãe na varanda e da preocupação constante de saber onde andava e de me pedir que nunca me afastasse. Vivemos naquela casa pouco tempo, por isso ela tem servido de ponto de partida da minha memória, que com o tempo foi sofrendo falsas adições, ou construiu lembranças alicerçadas em fotos ou em histórias que sempre ouvi. Não consigo lembrar-me do interior da casa, da disposição das divisões, nem mesmo do nosso quarto, que segundo a minha mãe, estava pintado de cor-de-rosa, mas recordo-me bem das traseiras e do acesso inclinado a um anexo que servia de rampa de lançamento para muitas das minhas excursões imaginárias. Outra coisa que recordo, e a minha mãe confirmou, é de existir por detrás desse anexo uma mata densa e escura, constituída sobretudo de pinheiros, carvalhos e azinheiras, onde naquela altura iam nascendo todos os monstros do mundo.
Andy Kehoe’s Magical Nighttime Paintings |
Ah Manel, tu apenas precisas de um pequenino empurrão, em forma de mote...
ResponderEliminarAí, ganhas lanço e confiança, deixas-te envolver por memórias à mistura com uma fértil imaginação, e nascem belos escritos como só tu o sabes fazer.
Terna é a noite, Cigano!! :)
precisava que me empurrassem de um penhasco... isso sim.
Eliminarbeijos Janita
Sabe tão bem viajar nas memórias ternas!
ResponderEliminarBeijinhos, Manel das tempestades :)
só te levo nas boas, Maria Tutu. beijos
EliminarAfinal tens assunto... às vezes só precisamos de vasculhar um bocadinho nas nossas gavetas.
ResponderEliminaristo nã me satisfaz...
EliminarEntão? Do que precisas?
Eliminar:-))
ResponderEliminarBeijo da madrinha
beijos Madrinha
Eliminaros meus monstros estavam nos meus sonhos e às vezes debaixo da cama. lembro-me que começaram a aparecer por volta dos cinco anos e foram mudando de aparência.
ResponderEliminareu tinha um par de almas penadas...
EliminarEntão Manel?... ACORDA!!
ResponderEliminar(...)
Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
(...)
(Excerto do poema "Acordar" de Álvaro de Campos)
Desperta desse marasmo, Cigano.
Sacode para longe essa melancolia, vá lá!