tarântula

Esta noite voltei a sonhar com a tarântula. É a mesma que perdi num outro sonho, em diferentes tons de castanho. Tinha um gato pardo, um ouriço cacheiro e uma tarântula de estimação. Não sei o que me deu para os deixar à solta num quarto onde os convidados tinham deixado os casacos. Depois acordei.

A senhora da caixa diz que é bom sonhar com tarântulas, que elas nos visitam para que sejamos pacientes. Não há resultados imediatos, explica, enquanto regista o detergente da loiça, meia dúzia de cervejas e uma caixa de cotonetes. Embora penses que nada progride, as coisas estão a acontecer, mesmo agora. Tem fé. Diz com um sorriso de anúncio de pasta de dentes. O motorista do tram tem outra explicação. Depois de fechar as portas, diz que a tarântula é sempre símbolo de um bloqueio. As mudanças positivas que o coração deseja não se vão concretizar, pelo menos por agora. Não estás a ser autêntico com algo, diz o motorista, tens de arrumar um assunto do passado, quando o fizeres, a tarântula deixa de aparecer nos teus sonhos. Saio na paragem seguinte um pouco desanimado, mas depois encontro a vizinha do primeiro, que por acaso ia à minha procura porque ficou sem detergente da loiça. Diz-me que todos os sonhos têm de ser interpretados pelo sentimento do sonhador. Tiveste medo? Perguntou a vizinha com um brilho opaco no amarelo da esclerótica. Era um animal de estimação, estava preocupado, queria encontrá-la. O interesse da vizinha subitamente aumentara quando falei em preocupação. Muito interessante, pode ser um medo oculto, diz a idosa e despeja um chá claro em duas chávenas sem pires. E o sonho de hoje? pergunta, tirando do forno um bolo já cortado. O de hoje não era tão preocupante e só aparecia a tarântula. Estava feliz a pequena, sentada nas seis patas de trás numa otomana em miniatura, enquanto as duas patas dianteiras batiam "palmas" e também cantava. "aranha, ooh na-na!"