olhos

Encostei-me ao lado esquerdo do passadiço para deixar passar a família que vinha em direção contrária. Duas crianças pequenas, uma adolescente e um casal talvez da minha idade. Os mais jovens vinham divertidos a descer e a subir pelo passadiço, pendurados nas cordas como piratas a escalar a amurada do navio. O pai tentava sem grande esforço colocar alguma ordem na fila humana, mas também podia não ser o pai. Havia qualquer coisa que destoava no conjunto familiar, pareciam todos animados com o passeio, à exceção da mulher. A mulher que vinha em último naquele grupo, a que eu achei que seria a mãe, tinha um olhar triste e quando passei por ela, olhou-me para lá dos olhos. Não sei exatamente como descrever, mas o seu olhar era magnético sem qualquer encanto. Era mais um grito, um pedido de ajuda, do que um olhar. Não podia fazer nada a não ser seguir o meu caminho, sempre com a expressão da mulher a rondar-me os pensamentos. Um olhar não era motivo para interpelar aquele homem, mas não conseguia afastar a ideia de que algo não estava certo. Podia ser tudo fruto da minha imaginação, ou uma angustia recente que rondava os pensamentos da mulher e que ela não conseguira esconder ao passar por mim. Fosse o que fosse, caminhei até casa imaginando os possíveis diálogos com essa mulher, se naquele caminho estivéssemos sós. 

Vivian Maier, 1954

Comentários

  1. Podiam ser mil e uma coisas diferentes, só a tua imensa sensibilidade é a mesma, que fui conhecendo, através de uns anitos já.

    Sou uma madrinha, tão, mas tão orgulhosa :-))

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    1. Mas de que serve notar nestas coisas se depois nã se pode fazer nada?

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  2. Olha que isso pode ser mau olhado e agora já não te cresce mais o cabelo ;)

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  3. Que belo texto, Manel! Já tenho passado por pessoas que me olham nos olhos. Como gostaria de lhes perguntar se entenderam algo daquilo que guardo na alma...Mas não! Como tu não há outro.
    Também posso ser tua madrinha, posso?

    Beijos, ciganito.
    ( será que um dia me lerás a sina que está traçada na palma da minha mão? Quero dizer, o que resta da minha sina...:) )

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    1. espero que o teu olhar nã seja parecido com o daquela mulher... e nos olhos é que se vê, nã na palma das mãos :)
      beijos, Janita, acho que nã há limites para madrinhas :)

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  4. que cumplicidade boa com a fotógrafa... riscas sempre casaram com quadrados. :)

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  5. ...é por essas e por outras que ando sempre com o olhar para o chão[risos]
    Beijocas ;)

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  6. pode-se sempre perguntar as horas...

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  7. Olhares que nos ficam e até nos incomodam, acontece-me às vezes, depois passa e até me esqueço deles :)

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