trusses
I
A mais bela lembrança que guardei daquele início de noite, foi a sua camisa transparente e a doce revelação de meia auréola saindo à revelia do soutien. Era de um tom pálido rosado, larga, sem ser muito volumosa. Às vezes penso nela. Jantamos num pitoresco restaurante com vista para o mar. Havia o tradicional empregado irritante e o ruído das mesas vizinhas que não permitiam qualquer tipo de intimidade. Quando saímos tentei convencê-la num passeio pela praia quase deserta, o areal tingido por um esplendoroso pôr-do-sol, os meus dedos ágeis acariciando-lhe o pescoço, desejosos por descerem todos por ela abaixo. Mas algo aconteceu, uma urgência qualquer apitou no ecrã e ela despediu-se com dois beijos, desaparecendo num táxi anónimo. Fiquei abandonado ao meu tesão, hesitante à porta do restaurante, entre o que podia vir a ser no dia seguinte uma meia, ou uma ressaca inteira. O sol mergulhava as últimas orlas num mar pastoso, entrei e pedi um whisky duplo. Não tenho bem a certeza do que aconteceu depois, bastante bebido, terei caminhado pela praia e a certa altura deixei as roupas num monte e entrei na absoluta escuridão marinha.
Terá sido assim que comecei o primeiro dia no Paleolítico superior, numa madrugada com dez mil anos, mais coisa menos coisa, de trusses estreadas, encolhido de frio, com metade da cara enterrada na areia. Levantei a cabeça cuidadosamente com medo de entornar o cérebro líquido e fiquei a olhar para a névoa estática sobre o mar. A praia parecia mais extensa, como se a maré tivesse recuado o dobro da distância, mas podia ser uma ilusão de óptica causada pela neblina. Não havia ninguém, nem vestígios de alguém ter passado por ali, mas na altura estava demasiado aturdido para me aperceber da falta de humanidade. Trôpego, questionei a quantidade de exageros que teria cometido na noite anterior, na qualidade rasca do whisky, depois pensei nas minhas coisas. Olhei em volta mas não havia nada que se assemelhasse a roupa ou sapatos, menos ainda chaves de casa, ou carteira. Teria sido roubado? Subi em direcção às dunas esperando encontrar a estrada que percorria a orla marítima. Mas ali não havia estrada, nem casas, apenas uma vegetação rasteira que se estendia até ao limiar do medo, terminando com fileiras densas de pinheiros e bétulas. Voltei a descer para o mar, era mais fácil caminhar pela areia molhada. Se continuasse para norte acabaria por encontrar o restaurante, ou algum telefone público. Na altura não estranhei o silêncio que envolvia o mundo, talvez porque as ondas rebentassem com força na praia e as gaivotas e outras aves marinhas guinchavam agitadas. Não sei quantos quilómetros terei percorrido sem encontrar qualquer sinal de civilização, já não sentia frio, apenas fome e sede. Mais que uma vez voltei a subir as dunas para encontrar sempre a mesma paisagem, ocorreu-me a certa altura que podia estar a ser alvo de uma brincadeira de mau gosto, uma partida dos colegas de trabalho. Se calhar estava mais a norte ou a sul, algum sítio recôndito, mas qual a piada de uma partida dessas? E foi por essa altura, quase sem forças, que comecei a avistar o que me parecia ser a foz do rio. Finalmente chegara, pensei, quando desfizesse a curva, lá estaria a marina de um lado, e do outro, as emblemáticas palmeiras do passeio alegre, e depois mais adiante suspensa nas encostas granítica, a fabulosa ponte da arrábida. Mas não foi nada disso que encontrei.
Tu perdeste-te na minha terra afilhado? Não encontraste uma alminha viva que te perguntasse, ó senhôre bocê tá perdido carago? Benha cumigo que já lhe arranjo umas roupinhas para bestir, enquanto aqueço um café...
ResponderEliminarVê bem, não era na minha terra que estavas, ora volta lá a pensar nisso.
ai madrinha, pobre de mim que nã sei onde fui parar... é sempre a mesma coisa, eternamente atravessado :)
EliminarAgora, fiquei com uma enorme vontade de ler o II.
ResponderEliminar[falas em "dedos ágeis" e estremeço. automaticamente. devem ser duas palavras mágicas que, juntas, lançam um feitiço sobre mim.]
estão no guia de "junção de palavras mágicas, e todos os feitiços que elas provocam"!
Eliminaro meu avô materno dizia que usava umas trusses :))
ResponderEliminarentão vieste cá jantar e não avisaste? :)
(parte II s.f.f.)
a minha imaginação nunca avisa com antecedência... sinceras desculpas :)
EliminarJá sei... foi a seguir que te tornaste polvo. :)
ResponderEliminarainda nã... levou mais algum tempo :)
Eliminara foz é uma história de amor entre o mar e o rio. é um encantamento :)
ResponderEliminaré um sítio mágico, sem qualquer dúvida, dá para sentir :)
EliminarE foi assim que se fez o éden?
ResponderEliminarjá o tinham feito nessa altura, só lá fui dar um orçamento :)
Eliminar(Escreveste um dos teus melhores contos e chamaste-lhe trusses. Nos sei que sensação me provoca este facto objetivo)
ResponderEliminarhá uma série de interpretações erradas... tinha isto guardado numa gaveta, era o meu trunfo para sair desta vida de merda, mas depois de o voltar a ler cheguei à conclusão que atingi o ponto mais alto, assim mais vale que fique aqui. no original chama-se: De “trusses “pelo Paleolítico
EliminarEra a gaveta das trusses?
EliminarNunca pensei ficar tão encantada com este texto tendo em conta o título. Lindo!
ResponderEliminarobrigado Be, a explicação pro título é descabida, mas nã me ocorreu outro.
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarOh, Manel...mas era MESMO AQUI que eu te esperava. Levei roupa quente e confortável, uma garrafa térmica com café, bolachas e até um par de trusses novinhas a estrear. Sabes? Acordei coberta de suores frios, sabendo-te perdido após a fuga daquela que te fez entrar no mar gelado. Esperei a noite toda, tentando desesperadamente, não deixar arrefecer o abraço que te agasalharia desse pesadelo...
ResponderEliminarAh, Manel, és mesmo um despistado. Onde foste tu parar?
Beijos, Manel!! :)
(Parabéns por este texto mágico )
PS- agora é que está bem!! O link da Ponte da Arrábida, não quis entrar no comentário anterior.
oh Janita, se nã és tu, um magano morre congelado nas terras do norte :)
Eliminarobrigado, gostei do post da ponte, é uma estrutura formidável, nã fica atrás das outras que se esticam mais adiante
dos trusses mais bonitos que já vi!
ResponderEliminarsério? até corei, carago!
EliminarEu também trussia mas, já que tu trusses, decidi que trusser não carecia :-))
ResponderEliminartou é com tosse, nã tens ai nada que se beba?
EliminarTenho pois, um xarape para limpar o intestino. A terapêutica é tiro e queda: Depois de o tomares se tossires ca...-te para não te ca..... não tosses. :-))
Eliminarahahahahaha...
Eliminar... ganda maluca, esta tua madrinha...ahahahah
deus do céu...
EliminarFraquito!
EliminarAinda bem que nã tiraste a trusses, já viste tu nuzinho a andar pelo areal? Ainda te aparecia uma sereia carnívora ao invés de peixívora.
ResponderEliminarTu quando estás inspirado escreves bem p'ra caraças ein? E a seguir, o que aconteceu?
:)
Eliminarjá escrevi isto faz algum tempo... estou indeciso no resto
obrigado
esse desnorte vai encontrar uma bússola em direção a um porto de abrigo?
ResponderEliminarpara já, boa semana, Manel, e que os parágrafos sejam bons companheiros.
Mia
eventualmente sim, há sempre um destino :)
Eliminarobrigado Mia, boa semana para ti também.
vieste ao porto? então a seguir à curva é o farol antes do jardim do passeio alegre, certo?
ResponderEliminareu também em tempos perdi-me ao sair do Twins. Mas para as ruas acima, não na marginal, à procura de um taxi...parecia um filme de terror.
anonima
nem sequer sai de onde estou... é tudo produto de uma imaginação muito fértil. Mas deixo uma dica, na próxima que fores ao porto, vais achar que estás noutra cidade... nã há nada que se pareça com um filme de terror, vai por mim.
Eliminareu adoro o porto e vivo cá no porto. nesse dia é q parecia um filme de terror...mas só nesse dia pq eu perdi-me, com nevoeiro à procura de um taxi...
Eliminara
M M-T eu já era tua fã mas agora... :)
ResponderEliminardevias ouvir a forma como o meu pai diz "trusses"; tem raízes em Viseu. estás a imaginar, não estás?
adoro pronúncias :) meia hora a ouvir alguém com uma pronúncia diferente e automaticamente estou a falar igual. O teu pai troca o som se das trusses por truxes?
EliminarSerá que vais acabar sem trusses? :p
ResponderEliminarAgora que fiz o comentário parvo já posso dizer que o texto é liiiiiiiiinnnnnnnnnnndooooooooooo!
Beijocas, Stormy boy :)
a ideia é mantê-las durante algum tempo :) os teus comentários nunca podem ser parvos, e se envolvem trusses, menos ainda :)
Eliminarbeijos Tutu
Tusses? Or aqui, no meu rural "trusse" é o perfeito do indicativo do verbo trazer
ResponderEliminarEu trusse
Tu trousseste ou trouxeste
Ele ou ela trousseste
....
Kis :=}
aqui a ideia é mesmo cueca :) mas em português nã há limites pra imaginação e interpretação pessoal
Eliminarbeijos
Entendido
EliminarKis :=}
Ó Manel...onde é que meteste a "kobieta" que só me aparecem as trusses??
ResponderEliminarPerdeste-te de novo?!? Não é possível!
Amanhã espero que já esteja a Kobieta, aqui.
Até lá, tem uma boa noite.
Beijinhos.
ahahahah Tu tás mesmo imparável hoje :-))
Eliminarkobieta foi um arrependimento...
EliminarCaro MMT aplausos :) muitos
ResponderEliminaragradecido, caríssimo CC
Eliminar:)
Nunca pensei dizer isto... Mas... Que venham mais trusses, afinal há trusses com pinta que nos deixam a pedir por mais.
ResponderEliminarMuito bom, manel (mas vê lá se dá próxima vez te perdes mais bem apetrechado de indumentária... Ou sem, pronto...)
obrigado Olvido, até corei...
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