luz
III
A noite foi sem dúvida o pior momento do primeiro dia, e se não
fosse o peso do cansaço a esmagar-me como um insecto que é apanhado por um camião a duzentos numa autoestrada, talvez nunca tivesse
adormecido. Caminhara com esperanças de encontrar alguém ou um sinal de humanidade quando chegasse
ao topo da encosta, mas para onde quer que olhasse só havia mata densa e outras encostas que
subiam como corcundas cinzentas do rio. Escureceu rapidamente, não havia qualquer fonte de iluminação até onde a vista alcançava, e o frio enleou-se com cheiro a mar em todas as coisas vivas e não vivas. Valeu-me na altura uma reentrância na rocha abrigada do vento, forrada de musgo
seco e caruma. Talvez tenha chorado, não me lembro, fazia tanto frio que as lágrimas congelavam, congestionando os canais. No céu a lua era um risco
quase a desaparecer e protegido pela sua luz muito ténue, terei sonhado que a vénus
de Botticelli, toda ela pele muito branca e nua, caminhava para mim no areal, empurrada por zéfiro. Acordei com o chilreio de um bando de piscos
embrenhados nos arbustos, estiquei o braço para desligar o despertador, mas os pássaros não tinham qualquer respeito. Para além das dores que sentia nas articulações, experimentava uma novidade, tipo um prurido desagradável que não tinha princípio nem fim, e por todo o corpo estalavam bolhas rubras, evidências de que fizera parte do menu degustativo
de formigas e aranhas. A sensação de perigo iminente era constante, sabia sem saber muito bem como, que deixara de estar no topo da cadeia, mesmo que os uivos da noite anterior estivessem distantes. Foi com esta ideia em mente que me atirei com todas as forças à fabricação de fogo, já tinha visto vídeos no youtube, precisava de um pau a direito, com cerca de dois palmos, e uma casca de árvore onde, por fricção das duas partes, conseguiria produzir suficiente calor para incendiar um tufo de vegetação seca. Como qualquer indivíduo nascido no século vinte, tinha toda a teoria, mas nenhuma prática. Ao fim de várias tentativas e muitas bolhas nas mãos, uma pequena nuvem de fumo deu origem a umas chamas contidas, quase microscópicas. O primeiro fogo animou-me o espírito, confortou-me a alma, elevou-me pela cadeia alimentar até ao topo. Estava tão satisfeito com o que havia conseguido que me levantei num pulo e ensaiei uma pequena dança de vitória, quebrando o pau em dois, e apagando o fogo que tão arduamente tinha conseguido avivar.
O certo era usares duas pedras...
ResponderEliminarbater com a cabeça contra uma rocha?
EliminarIsso! Passava tudo, num instante. O frio, a fome...
EliminarViste o que arranjaste com a dança? Lançar foguetes antes da festa dá sempre mau resulto!
ResponderEliminarMas o mais importante - para mim - ainda continuavas de trusses, Manel?
Um beijo, para aquecer...:)
sim, claro que as trusses continuavam, elas são o tema principal desta história :)
Eliminarbeijo, Janita, já aqueci...
A dança por si só é fogo. Não precisas de outro.
ResponderEliminarDorme bem, trussy boy
trussy boy? e eu que achava que nã tinhas mais nomes pra me dar...
Eliminarvai dormir, mas dorme bem :)
Tiraste-me o sono. Já não bastava as estrelas...
Eliminarnã fui eu, foram as trusses...
EliminarUma corridinha e aquecias logo o corpinho, se fosse uma corrida longa, até deitavas fumo :)
ResponderEliminarprecisei de mais de 3 dias pra me restabelecer completamente da última corrida...
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