rombo
Naqueles dias andava impossível.
Era como uma embarcação com um rombo no casco, que enchia de cansaço e se tornava lenta
e prestes a desaparecer. Primeiro tinha sido o velho do último andar que em
lugar de oferecer ajuda, advertiu-a para o risco de encravar o elevador caso
calcasse o patim junto à porta. Ela estava a carregar as últimas coisas do
apartamento, sozinha numa pilha de caixas de papelão e sacos de roupa, e aquele velho só se preocupava com o estúpido elevador.
Falava amargurada nos homens que odeiam as mulheres, com certeza aquele velho
não teria falado da mesma forma se fosse um homem que estivesse no seu lugar.
Sonhara que durante a noite voltara ao prédio e encravara propositadamente os
vários elevadores, deixando o velho guardião de elevadores isolado no décimo
andar. Depois contou o episódio do autocarro, e do outro velho que escolheu
sentar-se ao seu lado tendo tantos lugares vagos. Mas não foi o facto de se
ter sentado, explicou, foi novamente aquela prepotência, desta vez sem palavras. Quando ela se
sentara, o seu casaco que vinha dobrado tinha ficado com uma das pontas sobre o
lugar do lado. Como todos os lugares de trás estavam vazios, nem reparou que o casaco
estaria a sair dos seus limites. Vinha a ler, dizia, a devorar Ferrante,
quando o velho se sentou ao seu lado e atirou com a ponta do casaco para cima
de si. Sentiu-se incomodada, mas não se levantou.
Continuou com o livro aberto, sem conseguir que as palavras fizessem sentido, tentando ignorar o velho e as suas intenções senis. Pensou que ignora-lo era melhor que fazer uma cena. Duas
paragens adiante levantou-se num pulo energético e saiu, com a boca cheia de palavras odiosas e gestos obscenos ensarilhados nos dedos.
Quando, o que quer que seja, sai dos seus limites ... é uma chatice, sr Manel! :)
ResponderEliminarCumprimentos lá em casa!
será mesmo uma chatice?
Eliminarbeijinhos pra família :)
Ah! as doces pessoas que gostam de espalhar a sua bílis nos que consideram inferiores!
ResponderEliminarSão uns fofos.
Daí o segredo da sua doçura :)
Eliminarque mau feitio! bolas! :(
ResponderEliminaranonima
observação interessante :)
EliminarAqueles dias em que tudo nos incomoda. O que vale é que depois passa. Mas nem sempre :))
ResponderEliminaras sensibilidades aumentadas certamente interferem no modo de receber o mundo... são observações muito interessantes :)
EliminarCoitada, terá de arranjar maneira de extravasar essa energia negativa que lhe deixaram os velhos tontos. Sugiro um passeio à beira mar...
ResponderEliminarexcelente sugestão :) o mar apesar de velho, consegue apaziguar mesmo os corações mais revoltos :)
Eliminarah os gestos... muito mais eficazes do que as palavras...
ResponderEliminarprincipalmente quando as palavras são de cristal :) demasiado brilhantes para olhos vulgares
Eliminardemasiado frágeis para caírem no vazio...
Eliminarcadê tu?
ResponderEliminarSe fossem só os velhos...
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