glock

Contei ao todo treze pequenos exercícios de auto-censura rasurados no verso dos talões de supermercado enquanto esperava as oito certas. Amarfanhei os ofícios numa almôndega de condenações e num golpe acrobático, rematei-os numa baliza infinita. Golo! Comecei então a compilar mentalmente os movimentos da noite passada, lembrava-me vagamente da casa construída nas dunas. Um primeiro andar com varanda em janelas amplas, a maresia, o voo parado das gaivotas. Assim que aterrei, senti o calor trepar do solo arenoso pelas pernas. A reflexão da luz incomodava-me, como acontecia nos sonhos matutinos. Um dos indivíduos que usava gabardine bege entregou-me uma glock a par com algumas recomendações e um carregador. Inexplicavelmente sabia o que fazer, ou pensava que sabia. Estava empolgado, capaz de disparar em tudo que mexesse. Então logo a seguir surgiram três elementos do gangue armados, tinham conseguido permanecer escondidos nos sacos pretos de lixo que se amontoavam na entrada. Só os distinguia porque não usavam gabardine beje até aos pés como todos os outros. Estaria a menos de cinco metros, apontei e carreguei no gatilho mas a arma não disparou. Lembrei-me dos filmes, teria a arma travada, mas onde se destravava? Afinal não era assim tão simples, mas por sorte os criminosos eram compreensivos e pacientemente esperaram que descobrisse como destravava a coisa e depois, sem reagirem, foram atingidos com vários tiros. Era quase cómico e não senti qualquer remorso. Nem reparei que não havia som no disparo, e que faltava o cheiro de pólvora e o ligeiro coice da arma. Em câmara lenta era possível admirar a cápsula do projéctil no ar e o sangue a respingar brilhante pelas aberturas do tronco. 

aqui


O mais curioso é que a glock só tem trava externa nos meus sonhos...
29 de Novembro de 2015

Comentários

  1. Apontar a arma, carregar no gatilho e a arma não disparar costuma acontecer com frequência, não te preocupes. :)))

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  2. ahahahaha

    Arma com defeito, ou falta de jeito, ou folgas a mais, que trazem descanso a menos

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  3. ainda bem que não atiraste às gaivotas... e os pardais? não há pardais? mataste-os, Manuel?

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    1. seria incapaz de matar pássaros, nem nos sonhos... mas matei um, julgo que seria um pardal ou uma andorinha, era pequeno, bateu-me no vidro do automóvel, ia na autoestrada, foi muito rápido...

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  4. Estás a escrever tão bem, Cigano, mas tão bem que até apetece bater-te.

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  5. Super herói? Uau!

    Beijocas, Stormy boy aventureiro.:)

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    1. vá lá, pelo menos tu nã associas a arma travada a outra coisa...
      beijos, Tutu, que seria de mim sem ti :)

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  6. Eu fiquei com medo dos a senhores de gabardine beje ...

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