ravasco
… ou ensaios para dias felizes.
Mirei-me no pequeno espelho torto colocado por cima do pio, já
não o usava há algum tempo e a primeira reacção foi de ver um estranho. Não era
tão ridículo quanto imaginara, parecia que tinha um guaxinim morto com um
pompom no topo da cabeça, mas era quente e cobria as orelhas. Passei a mão pela
barba para garantir que era mesmo eu que ali se mirava, algumas pontas brancas
reflectiram a luz fraca, confirmando a passagem dos anos. Depois experimentei
erguer os lados da boca numa aproximação de sorriso, mas o resultado ficou
aquém das expectativas.
Andava a ver se deixava crescer a par com a barba um lado optimista,
mas não sei se por falta de chuva ou do solo franco-argiloso com pouca
profundidade, a coisa não estava a pegar. E foi então que sem contar descobri a
Biedronka (joaninha) na Stanisława Dubois, onde comprei duas garrafas de monte
da ravasqueira, quinze zlótis cada, na esperança de ficar catorze graus e meio
mais próximo de casa.
Mas voltemos ao início, ou à explicação do guaxinim morto. Na
sexta-feira depois do jantar, (eram umas seis da tarde, cinco em Lisboa e na
Madeira), Jochen e Alicja apareceram de surpresa carregados de presentes e com
muitas saudades para matar. A mim calhou-me um gorro, o tal que parece um
guaxinim falso e sem vida, mas até me assenta decentemente e as orelhas ficam protegidas do cieiro. E agora onde entra o ravasco? Vamos com calma que ainda estou ébrio.
Esbulhado da amizade de Jochen por largos meses, esqueci de
como nos dávamos bem, mas agora parecia mais adulto, ajuizado, excluindo-se das
disputas alcoólicas que eu e Marek travávamos. Falava em casar, ter filhos,
empréstimo bancário, horário das oito às cinco, mas Alicja parecia a mesma, inconsequente
e em busca de um coelho branco com colete.
Então andava a ensaiar para dias felizes e domingo veio com céu
carregado, mesmo assim Izabela encheu um cesto com as iguarias da tia e surripiou
os copos altos do armário. Com pouca pompa estendemos uma manta junto ao lago e
abri o tinto que escoou pelas gargantas como chuva em terra árida.
O ravasco: Juro que não tive culpa. Depois da farta
comezaina bem regada a baixo custo, a minha costela veio ao de cima, bateu-me uma profunda
moleza, enterrei o gorro até tapar os olhos e adormeci meio fora, meio dentro
da manta. Jochen tinha avistado um barco abandonado preso nos ramos e Marek foi
com ele saber se tinha fundo. Ora, na manta estava eu (o ravasco) meio dentro
meio fora, e as duas irmãs, Alicja inconsequente e Izabela, a musa
despromovida. Ressalva, eu não tive culpa, estava a dormitar naquela extremidade
de papo para o ar, quando as duas irmãs se aproximaram, pairando como nuvens
sobre a minha cabeça. O primeiro beijo foi inconsequente e sabia a taninos e frutos
vermelhos, tentei levantar a viseira mas ela segurou-me sem forçar pelos punhos.
O segundo beijo sabia quase ao mesmo, um pouco mais doce, mais hesitante,
suspenso por um risinho. E continuaram até perder a conta e a língua atravessar
o lábio e se encontrarem, ora uma, ora a outra, sem resistir entre meio dentro
e meio fora da manta.
ravasco: Homem
devasso; libertino
Epá!!! Épá!!! mas a Alicja não é namorada do Joshen, o teu amigo do coração?
ResponderEliminarJá não se pode confiar em ninguém
Com a desculpa de não teres culpa... tá bem tá!!!
quem é que deixa a namorada na manta com um ravasco ali ao lado?
EliminarAgora diz que é do ravasco...
ResponderEliminarTá bem tá, como diz a tua madrinha.:)
Meio fora meio dentro...da manta claro está!
Excelente Manel.
eu avisei... meio fora meio dentro... mas pode ter sido do tinto! :D
EliminarVou ler outra vez. Só para confirmar de quem é a culpa afinal !
ResponderEliminar:)
(Muito bem escrito)
nã estragues as vistas com porcarias desta natureza... é unânime que a culpa foi do tinto! :) Qual é o nome daquela cena para as ressacas?
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