travesso
Quando tinha dezasseis anos, tinha um ar muito adulto e responsável,
apesar de pouco saber sobre responsabilidade e ainda menos sobre ser adulto. E
quando me inscrevi para participar como monitor numas colónias de férias, a
minha candidatura foi aceite, não como monitor, mas para organizar actividades
de forma a manter a miudagem ocupada. Não era uma tarefa fácil, recorri a todos
os jogos e formas de passar o tempo que conhecia, com equipamento e orçamento
muito reduzido.
Os miúdos eram separados em grupos por idades e sexo, para
facilitar a organização, depois eram distribuídos por monitores, ficando os experientes
com os mais velhos e problemáticos. Cada grupo criava um nome de guerra e
depois inventavam um “hino”, treinando diariamente a música que no fim das duas semanas, era apresentada a toda a comunidade, em forma de dança ou uma encenação simples,
como era mais comum nos grupos de rapazes. Fiquei livre deste tipo de tarefas,
também fiquei livre de ser seguido por um grupo de dez a doze putos como se
fossem patos. Eram outros tempos, em que miúdos tomavam conta de miúdos, no
total não haveria mais do que quatro adultos: a cozinheira, o guarda-nocturno,
o motorista e o chefe de campo.
Todas as tarefas eram distribuídas, e com excepção da
cozinha, onde havia ajudantes para a preparação das quatro refeições diárias, bem como pôr a mesa, servir a comida e no fim a lavagem da loiça, todos as outras
tarefas eram da responsabilidade de cada grupo. Assim a limpeza das
camaratas e respectivas casas de banho, estavam a cargo de cada grupo, orientados
pelos monitores. Bem como a lavagem da roupa e isso incluía também colchões
mijados, por isso ninguém gostava de ficar com os mais novos. Como responsável
pelas actividades, sobrava-me algum tempo livre, e sempre que era preciso dava
uma mãozinha na lavagem dos colchões e na cozinha, foi assim que aprendi a arranjar lulas. Também aprendi
outra coisa, na mais improvável das situações, com o mais improvável dos
professores. Havia no grupo dos mais pequenos, um miúdo complicado. O monitor
chamou-me antes do inicio de uma saída para uma actividade tipo peddy-paper, reclamando que não conseguia fazer nada com aquele miúdo, para além de destabilizar os demais,
faltava-lhe ao respeito, gozava com o que ele dizia e depois desatava aos
pontapés a quem lhe colocasse as mãos em cima. Eu não sabia o que fazer, o meu
irmão era bem comportado, aliás o mais reguila de toda a família era eu, por
isso e para não atrasar mais a saída do grupo, decidi ficar com o miúdo, como
se fosse um castigo. E disse-lhe: a partir de agora deixas de pertencer ao teu
grupo e vais ficar sempre ao meu lado como ajudante das actividades, ouviste? Vais
ser a minha sombra e ai de ti que te portes mal. Já estava à espera de pontapés
e do berreiro que sempre acompanhava a crise, mas não, acenou que sim com a
cabeça e permaneceu calado ao meu lado, seguindo os meus passos. Ao fim do dia,
voltava à camarata do grupo e participava nas tarefas sem um pio, na manhã seguinte
deixava o grupo, e tornava-se a minha sombra desde o pequeno-almoço. Quando os
quinze dias chegaram ao fim, tinha três miúdos complicados na minha equipa, todos
excelentes colaboradores, até fizemos uma música catita e cantamos no palco bastante
desafinados.
Às vezes penso naquele miúdo, e em tudo o que ele me ensinou, que será feito dele?
Sabe-se lá que destino têm... Quem sabe continua a não gostar de multidões (timidez) quem sabe encontrou um Manel (versão menina) que lhe deu atenção e ele deixou de precisar de se portar mal, para que reparassem nele... quem sabe...
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