aquilatar
Quando comprei a viagem só reparei nas taxas extras da
bagagem de porão. Como sou muito poupado e irritam-me os extras em letras
pequenas, nem notei que havia outras opções que a companhia disponibilizava numa
fonte reduzida, dois parágrafos mais abaixo. Bastava um click lá no quadradinho
e podia ter embarcado num “voo para maiores de 21, com oferta de duas bebidas” e
também “assistentes de bordo saídas do catálogo de lingerie da Victoria’s Secret”.
Como não seleccionei nenhuma destas opções, a companhia colocou-me num voo
normal de duas horas e vinte minutos com destino a Paris, rodeado de pessoas
pequenas com dentição de leite.
Fui dos últimos a entrar no avião, a pista brilhava sob o
borriço, havia fila nas escadas e um atraso de dez minutos. Calhou-me o lugar
no corredor e ao princípio até fiquei agradado, permitia-me esticar as pernas
depois de um dia cansativo. Por cima do meu lugar já não havia espaço para a
bagagem, a alternativa era coloca-la sob o assento da frente, mas nem
cheguei a tentar, três lugares adiante um passageiro teve a amabilidade de zipar
os seus pertences para que eu pudesse arrumar a minha mochila, mesmo ao lado de
uma pequena mala verde com um dinossauro sorridente. O seu proprietário
dormitava ao colo da mãe, parecia inofensivo.
Rapidamente os assistentes de bordo fecharam os
compartimentos da bagagem e sentaram os mais agitados nos respectivos lugares,
o atraso arrastava-se para os vinte minutos e enquanto o piloto manobrava o
avião até à pista, executaram os procedimentos de segurança e emergência. Ao
meu lado viajava um casal espanhol em lua-de-mel, falavam espantosamente baixo
e estiveram entretidos a partilhar o guia de Paris, até ela adormecer encostada
ao ombro dele. No início achei estranha a disposição dos lugares, ela ia sentada
entre os dois e não junto à janela, mas assim que o avião começou a ganhar
velocidade, apercebi-me que era medo que a mantinha naquela posição, nem sequer
conseguia olhar pela janela à medida que o avião se separava da sua sombra e as
casas tornavam-se indistintas na paisagem. Ao atravessar as nuvens um poço de ar
abanou as sessenta toneladas de fuselagem, causando a sensação momentânea de
ausência de peso, a rapariga quase se agarrou ao meu braço, depois sorriu-me
procurando alimentar-se da minha tranquilidade. Nessa altura ainda não tinha
reparado na mini-saia que usava com um segundo par de meias até aos joelhos, só
quando comecei a escrever este relato, é que as suas pernas entraram no meu campo
de visão e quase de lá não saíram, não fosse a gigantesca bunda que a
assistente de bordo francesa manteve voltada para mim enquanto distribuía bebidas
e comezainas pelos passageiros esfomeados. Sem exagero, parecia um pneu
traseiro de um tractor prestes a esmagar-me.
Enfiei os headphones e tentei dormir um pouco, os
meus ouvidos estalavam e doíam com a variação de pressão, tinha esquecido de comprar
chicletes para aliviar o zumbido. Fechei os olhos e ajustei a música no volume
máximo que o meu mp3 permitia, faltavam quase duas horas de voo quando o
tabuleiro acoplado ao meu assento começou a descer e subir como se o tentassem
arrancar do sítio. Depois parou durante uns minutos. Mantive os olhos fechados,
os dentes cerrados e os punhos preparados para os espetar em qualquer direcção.
O tabuleiro voltou a descer, bateu três vezes contra o encosto e um assistente de
bordo apareceu antes que eu arrancasse a cabeça a alguém. Por essa altura apercebi-me
que estava rodeado de pequenas criaturas mal cheirosas que guinchavam, surgindo
de todos os lados para me atormentarem agora que o avião já estava no ar e era
impossível despejá-los.
Tenho sérias dúvidas sobre a identidade destas coisas, em tempos vi um filme em que algo idêntico acontecia com uns seres que se transformavam quando eram alimentados depois da meia noite. Da esquerda voavam toalhetes e talheres de plástico,
mais à frente a criatura adormecida tinha por fim acordado e berrava em plenos
pulmões, o pai exasperado, limpava o jantar líquido da cria que vertera da mala
com o dinossauro, a qual ficara estrategicamente colocada ao lado da minha. Nem
me mexi. Já só pensava no cheiro a leite azedo que me acompanharia pelas ruas de Paris,
quando senti uma pequena pressão na lombar. Primeiro optei por ignorar, abri "A dança
da morte” junto ao marcador e comecei a ler. Depois uma segunda pressão um
pouco mais forte, alguém sentado no banco de trás tentava irritar-me. Respirei
fundo, a pressão agora era constante, enterrando o banco nos meus rins sem misericórdia.
Em desespero virei-me para trás e dei de caras com uma pirralha com cara de
anjo, menos de meio metro, pernas esticadas até à saliência do assento, muito satisfeita
com o resultado.
ahahah São uns anjinhos... quando a dormir mas, há uma altura em que dormem pouco e começa a treta da conversa "coitadinho do menino" a cada travessura aceite com o sorriso idiota dos progenitores, que não sabendo educar, acham que os outros têm que levar com eles. Boa viahem Manel eheheheh
ResponderEliminaràs vezes nã sei como me contenho...
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