lobo
Os lobos não têm grandes bochechas, não são como os esquilos ou os castores, por isso ficava sempre impressionado quando a minha mãe contava como num sopro o lobo deitara abaixo uma cabana de palha, mais impressionado ainda com o que fazia a seguir à construção de madeira. Imaginava que o seu sopro seria dos mais poderosos à face da terra, o bicho dava um passo atrás, enchia os pulmões e arrasava com tudo. Quando era miúdo já tinham tratado de o exterminar por aqueles lados, nunca vi nenhum em liberdade, só uma vez apareceu uma ovelha ferida e toda a gente começou a gritar lobo. Confesso que mantenho uma ténue esperança de um dia vislumbrar um por entre a mata densa. Naquele tempo, por segurança, as casas eram todas de tijolo e cimento.
A minha mãe não lia de um livro, embora não faltassem lá em casa, ela sabia de cor todas as histórias, e as que não sabia, inventava na medida do meu sono. Às vezes tentava trocar os personagens para confirmar se ainda estava desperto, ou dava uma reviravolta surpreendente no guião, levando-nos de supetão para o “e viveram felizes para sempre”. Mas eu estava atento, reparando nas falhas da história, reclamando as cenas cortadas pelo cansaço. Não adormecia com a facilidade de agora, havia tanta coisa boa para fazer, dormir parecia uma perda de tempo quando o mundo fervilhava com lobos que deitavam casas abaixo, pés de feijão gigantes e impressionantes gatos que usavam botas.
A dos três porcos construtores era das minhas favoritas, a minha mãe fazia o lobo soar assustador quando ameaçava os porcos, soprando na minha cara no escuro do quarto, e depois tinha três vozes distintas para os porcos, uma infantil para o mais novo, descontraído para o do meio e sério para o mais velho. Era uma emoção, mesmo quando já sabia que ia terminar com o lobo desmaiado com falta de ar.
Demorei alguns anos a entender o que era o lobo, foi mais ou menos na altura em que comecei a erguer construções de palha na minha vida. A minha mãe bem avisara, o bicho chegava pela calada e nem sequer batia à porta, astuto, silencioso, enchia os pulmões e num sopro forte arrastava tudo o que não era cimento. Com alguma paciência voltei a erguer as paredes, depois um tecto, de palha que sempre foi mais rápido e muito económico, sobrando-me tempo para coisa nenhuma.
Engraçada esta coisa das histórias, vertem-se da memória sem darmos conta delas, escorregadias lições ocultas de valor incalculável. Naquele tempo era comum, sentados em torno da mesa ou junto do lume, ouvindo o que os mais velhos guardavam nas rugas e escaninhos da memória. Ansiava tomar aquele lugar respeitado, possuir a atenção da plateia enquanto narrava com todos os pormenores, por exemplo aquela vez que entrei no avião errado e atrasei o voo a 250 passageiros, ou daquela outra em que cozi o bacalhau no wc numa passagem de ano, porque chovia a cântaros, mas o que importava era terminar com um final feliz, e nessa parte ainda não lhe tomei o jeito, como vão poder reparar.
Como me tornei no porco preguiçoso, é outro mistério. Eu sempre quis ser o lobo.
Manelito vou dar-te um boa notícia, também ela decorre de um conto. Existem sempre um lobo dentro de nós. E agrada-me ver que o teu não é muito alimentado:)))
ResponderEliminarA imagem está deliciosa moço bonito :))
fico sempre bem nas fotos quando estou a dormir :D
Eliminar"possuir a atenção da plateia enquanto narrava com todos os pormenores"... Podes não ser um lobo, mas já conseguiste isto antes de ser velho... Não podes querer ter tudo...
ResponderEliminarJá cá vieste cheirar,cheirou-te?Depois diz que não percebe disto
Eliminarnã te mereço... bela e amarela :D
EliminarBem, não sou assim tão burra... E esta treta obriga-me a escrever duas vezes a mesma coisa...Paciência!
ResponderEliminarBela,já viste as horas disto?O relogio não ta a funcionar bem,risos
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