difuso
Inclinei-me sobre o óculo e surpreendi-me ao ver a vizinha
idosa que morava no apartamento ao fundo do corredor, especada à minha porta, num
domingo bem cedo insistindo na campainha. Se fosse outra pessoa teria voltado
para a cama, mas a senhora vivia sozinha desde que o
marido falecera. Encontrava-o muitas vezes à noite, quando andava a passear o
cão com focinho de raposa, gordo como um barrasco. Fazia-lhe uma festa e
trocava dois dedos de conversa sobre o frio ou a nova contratação para o
plantel do sporting. Um mês depois, morreu o cão que parecia um porco.
Vesti uma t-shirt e umas calças de treino e abri a porta,
pediu desculpas pela hora, era evidente que me tinha interrompido o sono, o
cabelo amassado para o lado mais preguiçoso, remelas condensadas nos cantos dos
olhos, encarando com dificuldade a luminosidade da manhã. Tinha-se fechado com
a chave por dentro, a idade pregava-lhe estas partidas, e a vizinha de cima,
uma moça nova muito bonita por sinal, tinha-lhe contado como eu tinha aberto a
sua porta usando um cartão. A minha fama de larápio com cartão crescia, calcei
as sapatilhas sem meias, procurei um cartão que não fizesse falta e caminhei
com a vizinha até ao fundo do corredor, depois foi só entalar o cartão entre a
porta e o caixilho, faze-lo descer com alguma força e a porta abriu-se.
Uma semana depois voltei a encontra-la no trajecto de casa, dobrada
pelo peso dos dois sacos do supermercado, caminhando numa resistência lenta. Pensei
na minha avó, o cabelo quase todo branco, a pele enrugada caindo sobre os ossos
e então ofereci-me para lhe carregar as compras, diminuindo a passada até a
conseguir acompanhar. Foi nessa altura que me falou da reunião de condomínio, e
da conversa que tinha tido com a vizinha de cima, a das toalhas amarelas que
tinha ficado presa na varanda. O assunto teria vindo à baila por causa do estranho
roubo das embalagens de leite, onde eu surgia como principal suspeito. Ao que
parece, os vizinhos do último carregaram o elevador com as compras do mês, mas
haviam deixado um volume de seis embalagens de leite a segurar a porta. Quando voltaram,
o leite tinha desaparecido. Pelo meio da história, voltou a salientar a beleza
da jovem vizinha do segundo andar, e de como não via qualquer relação entre a
minha capacidade de abrir portas e do roubo do leite. Eu nem sabia da história
do leite, muito menos das acusações que me eram dirigidas. Era verdade que
tinha alma de ladrão, mas evitava os roubos na vizinhança- Aconselhou-me a
estar presente na próxima reunião, segurando-me no braço para reforçar a ideia,
o facto de não ir levantava suspeitas, e sempre teria um pretexto para meter
conversa com a do segundo, que era solteira, ela tinha a certeza disso.
Confessa lá que foste tu que roubaste o leite. Larápio de meia tigela a roubar leite...
ResponderEliminarfoi por uma boa causa... o gato da vizinha do segundo, adora leite!
EliminarDeduzo que a vizinha te esteja muito agradecida ;)
ResponderEliminara do segundo?
EliminarPois Manelito. Já agora já fizeram a reunião de condomínio?
Eliminaré provável que sim...
EliminarEu tenho uma catrafada de malta a beber leite em minha casa ... Para a próxima, partilha...Não sou solteira, mas dizem que sou gira .Aproveitas e confirmas.
ResponderEliminarum gajo nã pode rapinar tranquilamente um pack de leite, sem depois carregar o peso da consciencia de o distribuir por todas as nã solteiras... queres que leve mais alguma coisa?
EliminarPodes vir nu..(não te esqueças do leite)
ResponderEliminarouvi dizer que está frio... queres que me constipe?
ResponderEliminarBebe água com limão em jejum. Não te constipas.
ResponderEliminarEu não sou a vizinha do segundo nem tenho gato, mas o meu prédio também tem elevador, tenho cão, sou livre, muito jeitosa e vou sempre às (estafadas) reuniões de condomínio.
ResponderEliminarNão preciso de leitinho, mas não surrupias uma racção canina? Tem de ser "prime", para canídeo senior e de raça pequena. Vá...não me faltes, que sempre fomos amigos...tu do alheio, e eu de ti. (sorriso)
adorei essa frase do sempre fomos amigos... posso roubar?
ResponderEliminarPodes sim. Alimenta lá essa (desavergonhada) cleptomania...rsrsrs...
ResponderEliminarapesar de roubada, fico-te em dívida...
EliminarComo sempre!
EliminarÉ por isso que o meu balancete contigo está desiquilibrado. Nada te devo, mas muito tenho a haver.
Vê lá quando me pagas, que a minha paciência tem limites. :)