gula
Na estreiteza redonda da mesa, os pedidos acumularam-se em
pequenas taças com pouca variedade. Uma salada média com três garfos fora
colocada ao centro, depois a ladear meia de batatas cortadas em gomos com
aparência crocante, uma de falafel de grão e outra taça com um aspecto
semelhante, de bolas panadas do tamanho de uma dentada, mas recheadas com
carne, ou a saberem a carne. É só isto, perguntaram, mas a empregada de mesa
respondeu apressadamente que os pedidos estavam demorados, voltando rapidamente
as costas deslizando sem harmonia para o interior da cozinha.
O meu estômago ressoava, tínhamos levado cerca de dez
minutos a escolher, Péter encomendou um menu de cada para experimentarmos.
Entretanto tinha passado uma hora e o restaurante enchera, e na mesa estava uma
salada com três garfos, as batatas e duas taças das tais bolas, tudo
acompanhado de molhos diferentes. Comecei pelas batatas, deixando que os outros
batalhassem pela salada. São boas, perguntaram, menti torcendo a cara mas como
não parava de as comer, assim que puderam precipitaram-se sobre elas, ou do que
delas restava. Não provei a salada, as batatas eram realmente boas,
ligeiramente picantes, pareciam caramelizadas. O falafel não tinha grande sabor,
faltava-lhe sal e como era seco, obrigava-me a beber mais para o conseguir
empurrar. Com todas as mesas preenchidas, as empregadas já nem olhavam,
passando só por necessidade na proximidade, em que esticávamos os braços para
lhes implorar mais um copo de cerveja e o resto da comida.
Na eminencia de desistir do resto do pedido, pousaram na
mesa mais uma dose do que parecia ser outra vez falafel, desta vez acompanhado
de duas taças com batatas fritas triangulares, umas bem mais picantes que as
outras. As batatas compensavam a espera e enquanto estive entretido, esqueci
que praticamente só comera batatas e que o copo estava vazio. O bolchevista
irritado com a falta de bebida, levantou-se, instigando as tropas a desertarem,
mas Péter puxou-o pelo braço persuadindo o russo com a promessa que já faltava
pouco, que o melhor estava para vir. E tinha razão, faltava pouco, ainda o
bolchevista não se tinha voltado a sentar e a música subia de volume, calando
as conversas avulso, encaminhando a atenção para um pequeno palco iluminado.
Pelo meio das mesas surgia do ar uma dançarina de rosto tapado, gingando descalça
ao ritmo da música. Sem me aperceber, estávamos na primeira fila de mesas
diante do palco, muito próximos para poder apreciar todas as formas generosas
que a dançarina voluptuosamente não cobrira. Mas eu tinha fome, e enquanto
todos olhavam embasbacados, continuava a petiscar as batatas, alheio ao ventre
que se contorcia a pouco metros da minha cara.
Não encontro explicação plausível para o que aconteceu de
seguida, talvez fosse do fumo que subia de várias mesas onde se fumava shisha,
ou das especiarias que condimentavam os pratos, a plateia hipnotizada no
perfeito umbigo da dançarina do ventre, pareciam estátuas sentadas em
poltronas, esparvoadas, envoltas numa bruma. Continuei a comer, imune ao
encantamento geral, e nem dei conta que ela descera do palco, decidida a dar-me
uma lição. Foi tudo muito rápido, no meu estado normal nunca teria feito o que
fiz, mas tenho a certeza que não estava em mim, foi aquela comida, o pecado
errado.
Ela irritada por não lhe estar a prestar atenção, tirou-me
da frente a taça com as poucas batatas triangulares que restavam, mantendo os
movimentos ondulantes da dança, levantou-a bem alto fora do meu alcance. A
plateia ria, mas eu não lhe achei piada nenhuma, estava obcecado com as batatas,
levantei-me com rapidez por pouco não lhe pisei os dedos, ainda tentou
desviar-se, mas com facilidade esvaziei a taça com a mão, enfiando as batatas
de uma só vez na boca. Não imagino a minha figura, mas dizem que estava muito
próximo de um babuíno. O público ainda riu mais alto, pensando que tudo fazia
parte da actuação, ela desandou pelas outras mesas, olhando ocasionalmente para
mim com ar de reprovação. Ainda havia outra taça com alguns restos, não eram tao
boas, mas estava disposto a continuar o jogo. Ela voltou, desta vez para puxar
Péter para o palco, onde desajeitadamente o húngaro tentava imitar os seus
movimentos. As batatas chegavam ao fim, ela devolvia o húngaro ao seu sítio, vermelho
como um pimento, de marrafa desalinha e sorriso parvo, levando com ela outro
espectador ansioso.
Despediu-se com várias vénias, alguns aplaudiram de pé, Péter
era um deles. Consegui mais uma cerveja que bebi em dois tragos, estava farto
de ali estar, mas o meu exército queria permanecer entrincheirado, ansiosos por
conhecerem o inimigo. Paguei na senhora do sarcófago e sai para o frio onde o
ar era respirável. Já havia pouca gente naquela zona da cidade, encostei-me ao
carro e esperei pela boleia, vendo sair os grupos aos tropeções. Finalmente o
húngaro apareceu com o bolchevista, e com eles vinha a dançarina, mais tapada e
de saltos altos, acompanhada por outra rapariga.
Vais ter de ir táxi ou a pé. Disse o húngaro. Só tenho lugar
para quatro.
Cabemos os cinco. Resmunguei, acrescentando uma asneira
qualquer.
É possível, mas ela diz que só vai se tu não fores… E eu gosto mais dela!
Atão Menelito!!! O conduto deixou-te destemperado???
ResponderEliminarMas olha, as batatas tem muito bom aspecto, se forem gostosas como são vistosas ;)
Então vá um beijo moço.
eram uma delícia... sem palavras :D vá... beijo
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