pochemuchka
Por altura do nascimento da minha sobrinha, ofereci-me para ficar com o miúdo durante uns dias, na altura tinha 3 anos. A minha cunhada estava com umas olheiras que desciam até às maçãs do rosto, e ao contrário do que era habitual concordou de imediato.
Fomos para cima num comboio que esvaziava e enchia, à medida que se aproximava ou distanciava dos grandes centros. Eram tantas as novidades, tanta informação a reter, que foi entretido toda a viagem sem precisar dos jogos e livros que a mãe tinha separado. Olhava ávido a paisagem, as pessoas que entravam ou que permaneciam nas estações, vendo-as desaparecerem no percurso. Depois lá perguntou: O teu carro?
Não tenho carro, respondi sem adiantar mais informação. Ficou pensativo, a contemplar os fios eléctricos que corriam ao longo da linha. O meu pai tem. Disse ele, também sem adiantar mais informação. Quase que estive para perguntar a marca, mas ele só tinha três anos, como é que ia saber essas coisas. E voltamos ao silêncio. Quando chegamos ao destino, já nem me lembrava da conversado do carro, saímos da estação e ele apontou para um automóvel estacionado e disse com um ar muito entendido: é um Toyota, igual ao do meu pai. Era de facto um Toyota, talvez não fosse o mesmo modelo, mas mostrava que distinguia os símbolos. E assim fomos todo o caminho a enumerar as marcas.
Quando chegamos a casa, pousei as mochilas e fui preparar um lanche. Não tinha noção que gente pequena estava sempre a comer e a ir à casa de banho. Já ia sozinho, por isso não me preocupei. Ouvi o barulho do autoclismo, da água a correr possivelmente no bidé e depois um silêncio. Fui dar com ele a olhar para os meus livros e cds empilhados no quarto. Tens fome? Vou comer uma sande mista, também queres? Perguntei. Sim, disse, novamente sem acrescentos imediatos. Bebes uma cerveja? Brinquei. Ele olhou para mim como se eu fosse tolo. As crianças não bebem cerveja.
Sentei-o na cozinha à minha frente, continuava a olhar em volta, “scaneando” os móveis, os azulejos, os electrodomésticos. E lá acabou por regressar às perguntas. Como se chama a tua casa?
Casota, respondi como se a resposta fosse óbvia.
Cerrou os olhos e vi a mesma expressão que eu fazia quando não queria aparecer nas fotografias. Casota é a casa do cão. Repreendeu-me, como se eu fosse um mau aluno. Lá arranjei um nome qualquer, mas ele já estava interessado noutras coisas, e passeava as mãos pelos livros e raros objectos que enchiam a estante na sala.
Tu não vês bonecos? Disse, apontado para a televisão desligada. Respondi que não. Eu via, e ainda vejo, mas era mais fácil responder não do que tentar explicar que os bonecos que eu gostava eram violentos, o herói quase sempre era um criminoso e as namoradas tinham peitos descomunais e roupas muito reduzidas. Não havia portanto bonecos. A próxima pergunta já se desenvolvia no seu pequeno mas muito activo cérebro. Onde estão os teus brinquedos?
Pochemuchka- Palavra russa usada para classificar aquelas pessoas que simplesmente fazem perguntas demais sobre qualquer tipo de assunto, os "perguntadores".
Fomos para cima num comboio que esvaziava e enchia, à medida que se aproximava ou distanciava dos grandes centros. Eram tantas as novidades, tanta informação a reter, que foi entretido toda a viagem sem precisar dos jogos e livros que a mãe tinha separado. Olhava ávido a paisagem, as pessoas que entravam ou que permaneciam nas estações, vendo-as desaparecerem no percurso. Depois lá perguntou: O teu carro?
Não tenho carro, respondi sem adiantar mais informação. Ficou pensativo, a contemplar os fios eléctricos que corriam ao longo da linha. O meu pai tem. Disse ele, também sem adiantar mais informação. Quase que estive para perguntar a marca, mas ele só tinha três anos, como é que ia saber essas coisas. E voltamos ao silêncio. Quando chegamos ao destino, já nem me lembrava da conversado do carro, saímos da estação e ele apontou para um automóvel estacionado e disse com um ar muito entendido: é um Toyota, igual ao do meu pai. Era de facto um Toyota, talvez não fosse o mesmo modelo, mas mostrava que distinguia os símbolos. E assim fomos todo o caminho a enumerar as marcas.
Quando chegamos a casa, pousei as mochilas e fui preparar um lanche. Não tinha noção que gente pequena estava sempre a comer e a ir à casa de banho. Já ia sozinho, por isso não me preocupei. Ouvi o barulho do autoclismo, da água a correr possivelmente no bidé e depois um silêncio. Fui dar com ele a olhar para os meus livros e cds empilhados no quarto. Tens fome? Vou comer uma sande mista, também queres? Perguntei. Sim, disse, novamente sem acrescentos imediatos. Bebes uma cerveja? Brinquei. Ele olhou para mim como se eu fosse tolo. As crianças não bebem cerveja.
Sentei-o na cozinha à minha frente, continuava a olhar em volta, “scaneando” os móveis, os azulejos, os electrodomésticos. E lá acabou por regressar às perguntas. Como se chama a tua casa?
Casota, respondi como se a resposta fosse óbvia.
Cerrou os olhos e vi a mesma expressão que eu fazia quando não queria aparecer nas fotografias. Casota é a casa do cão. Repreendeu-me, como se eu fosse um mau aluno. Lá arranjei um nome qualquer, mas ele já estava interessado noutras coisas, e passeava as mãos pelos livros e raros objectos que enchiam a estante na sala.
Tu não vês bonecos? Disse, apontado para a televisão desligada. Respondi que não. Eu via, e ainda vejo, mas era mais fácil responder não do que tentar explicar que os bonecos que eu gostava eram violentos, o herói quase sempre era um criminoso e as namoradas tinham peitos descomunais e roupas muito reduzidas. Não havia portanto bonecos. A próxima pergunta já se desenvolvia no seu pequeno mas muito activo cérebro. Onde estão os teus brinquedos?
Pochemuchka- Palavra russa usada para classificar aquelas pessoas que simplesmente fazem perguntas demais sobre qualquer tipo de assunto, os "perguntadores".
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