furto
Espreitei sobre o muro sem me aproximar demasiado. As portadas do andar superior estavam cerradas par a par, as debaixo ficavam cobertas pelo arvoredo agitado pela azáfama dos chapins.
Que estás a fazer?
Aproximei-me da copa da árvore junto ao portão, ali nem precisava trepar pelo granito, deitei a mão por entre as folhas lacrimosas até a sentir enchendo-me a mão e rodei o fruto que se soltou sem grande reboliço, para sossego dos cães da vizinhança.
Que mania essa, qualquer dia enchem-te de chumbo por causa de uma laranja!
Não lhe respondi.
Da última vez deixou-me para trás num terreno arado, acolá para os lados de Mirando do Douro, aliviando do peso um pé de macieira com pouco mais de um metro de altura. Os pequenos frutos rosados seriam descendentes directos da árvore da vida, mas não havia ali serpente, e Eva já descia a colina amuada. Tivesse eu provado a doçura do pecado e não tinha nos ramos sobrado repasto para os pássaros.
Desta só roubei uma laranja, e retomamos o caminho em silêncio por entre as casas dispersas, Adão e Eva banidos, escondendo o fruto do pecado até ao limiar do casario. Quando a estrada terminou num caminho enlameado, abri um rasgo na superfície não tratada do fruto.
Podia ter trazido duas…
Parece seca.
A raposa disse algo parecido sobre “maduros cachos pendentes de alta latada”… queres um gomo?
E de um gomo de cada vez, comeu metade do número certo de gomos, nem muito doce nem muito ácida, sumarenta apesar da sua aparência seca, de fruto careca desprovido da casca.
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