sorriso

Num gesto rápido sem vasculhar a bolsa, retirou o telemóvel e num clique ficou com o rosto iluminado. O conteúdo de uma possível mensagem fez-lhe estalar um grande sorriso, rasgado dos lábios até aos olhos, arrastando consigo as maçãs do rosto, aligeirando a cova funda que desfeava o queixo. Não era um sorriso enigmático, sem sombra para dúvidas, porque era tarde e já nem o sol projectava sombra quanto mais a dúvida, tratava-se claramente de uma provocação, e a receptora tornava-se emissora e teclando com grande rapidez e sem morder o lábio como eu imaginara, respondia no mesmo tom. Voltou à bolsa, apenas a maquineta, porque o sorriso fez questão de o manter pelo menos durante alguns minutos, mais que os suficientes para me irritar, nem sei se pela curiosidade que suscitava ou se pela inveja que sentia.
Desviei o olhar para o ressoar da janela sem reparar que alguém me observava uns lugares mais à frente, sentada contra o destino, mãos na tranquilidade de uma bolsa, não sendo o seu tamanho maior que o necessário para que nela repousassem as mãos, limpas, sem marcas de liame. Estranho reparar nas mãos, mas pareciam ali pousadas à espera que o meu olhar colidisse. Levantou-se na diminuição da velocidade, e voltei às gotículas que agora escorriam sem achar nelas qualquer interesse. Antes que a paragem surgisse, voltei a procura-la junto à saída, cabeça voltada na minha direcção e na boca um sorriso, metade sério, metade devasso, muito diferente do sorriso da rapariga com a cova no queixo.
O comboio por fim parou e tudo pareceu acontecer em câmara lenta, voltou a cabeça para o chão, o cabelo acompanhou o movimento e desapareceu do meu campo de visão. Num acto irreflectido as minhas pernas não esperaram ordens e saltaram em direcção à porta, entalando-me na junção que se abriu, libertando-me duas paragens antes. Agora o comboio seguia viagem, no seu interior claro vários rostos se haviam voltado, atirando olhares reprovadores, um homem daquela idade, havia de ter juízo! Talvez tenha adormecido… nada disso, ele vai é atrás da moça, aquela que lhe sorriu, a depravada!

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