érebo

Cinco letras, catorze horizontal, inferno em linguagem poética…

Dois homens lutam pelo chão no reflexo metálico de um carro. Um deles sou eu. A chuva declarou guerra, lançando uma carga de água que cai com prumo. No interior ela resistia ao segundo sujeito, o primeiro vai atingir-me na cabeça com algo, talvez um bolego, não vou cair inconsciente, apenas de rosto no chão ao nível das gotas que pulverizam o asfalto. Volta trôpego ao interior, arrancam com velocidade.

Não tens cara de Fernando Cassola de Miranda, disse brincando com a minha falsa identidade, a poucos metros da entrada do bar.
Deixa-me levar-te a casa, pedi sabendo de antemão que a súplica nunca resultava com ela.

Eu sei cuidar de mim, não preciso nem admiro cavalheirismos, mais depressa necessito de um cigarro… e de repente perdeu a graça, atirou o olhar ao chão na mesma direcção onde a beata tinha morrido e afastou-se apressada pela chuva, martelando o passeio, interrompendo o precipitar. Segui-a até à porta do carro, a mesma que dai a instantes vai reflectir uma luta corpo a corpo, quase equilibrada, até que uma pedra que rolou da calçada virá para corromper a essência humana.
Atirou com a gabardine encharcada, bateu a porta com estrondo e sem olhar de novo para mim, subiu uma roda pelo passeio e desceu pela avenida retardada pela chuva e pelo etílico, ainda não diluído.
Recebo até aos ossos a minha aliada, ali parado sem rumo no meio da cidade. Já é tarde para táxis, a rua vai deserta, adormecida nua num lençol líquido que se escoa pelas entranhas. Decido-me pelo norte, tomo a mesma direcção que ela escolheu sem saber que a vou encontrar de novo.

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