gelha
Uma acalmia contagiante espalhou-se pelo parque ainda a tarde estava no
início. O vento aligeirou para brisa, apaziguando as folhas caídas junto
aos degraus gastos esverdeados de musgo, os pássaros resistiram à sua
natureza irrequieta e em silêncio procuraram um ramo próximo, quase
estáticos agora que o vento acalmara na alameda de plátanos, sempre
deserta aquela hora do dia.
Sentei-me no banco mais a norte, usufruindo de meia sombra e da quietude que se instalara, longe de imaginar-me no epicentro, espiado por pardais, pombos, melros e até uma coruja com insónias. Se tivesse erguido o olhar para o céu, estranharia as poucas nuvens à solta, suspensas sem movimento, coladas em rama a um fundo tão azul e vazio. Até mesmo as toupeiras, bichos alienados a maior parte do tempo das cousas que se passam acima da terra, pararam e voltaram as pequenas cabeças cegas no instante em que ela se aproximou do banco mais a norte sem que eu desse por isso, cortando a sua voz o silêncio como chuva aliviada em solo seco.
Essa ruga é excessivamente sensual.
Como disse?
Essa ruga é excessivamente sensual. Repetiu.
Conhecemo-nos de algum lado?
Não, acho que não. Mas eu não me importava. Disse, com o mesmo ar decidido com que caminhara até aquela zona do parque.
Não passas de uma fantasia, devo estar a sonhar acordado… confesso que te imaginei diferente mas…
Isso querias tu, refilou, mas sou real e estou aqui diante de ti, presa a essa ruga que me azucrina.
“Azucrina” não é palavra que eu usasse… talvez importunar ou maçar… não sei o que te diga.
Pára! Gritou mas sem ser irritante, não faça isso, só a tornas ainda mais irresistível…
Alguém te pagou para fazeres pouco de mim… é isso não é?
Não foi pouco, mas se pagares o dobro eu digo-te quem foi…
Agora estou mesmo convencido que te criei e tudo isto só existe na minha cabeça…
Voltamos ao mesmo…
Repara, respondeste tal e qual eu teria respondido, logo fui eu que te imaginei, essa resposta inventei-a para ti… Quedou-se pensativa e apoiando um joelho no banco, alisou suavemente com o indicador a ruga que crescia junto à minha saliência distante do globo ocular.
Inventas respostas?
Diálogos inteiros…
Então sabes o que vou dizer a seguir?
Não vais dizer nada, apenas…
Não tardou a amanhecer e quando a Terra rodou o suficiente para que se desse o milagre de um novo dia, já o cheiro dela tinha tomado conta do meu. Aliás, tomou conta da roupa da cama, de cada canto do quarto, até mesmo de cada divisão do apartamento, e como o cheiro não se detêm, transbordou pelos canos, frinchas das janelas, aberturas das fechaduras, apanhando os vizinhos ainda deitados, corpos quentes que espreguiçavam, tocavam-se e envolvidos no perfume, acariciavam-se, sem pudor, comiam-se!
Sentei-me no banco mais a norte, usufruindo de meia sombra e da quietude que se instalara, longe de imaginar-me no epicentro, espiado por pardais, pombos, melros e até uma coruja com insónias. Se tivesse erguido o olhar para o céu, estranharia as poucas nuvens à solta, suspensas sem movimento, coladas em rama a um fundo tão azul e vazio. Até mesmo as toupeiras, bichos alienados a maior parte do tempo das cousas que se passam acima da terra, pararam e voltaram as pequenas cabeças cegas no instante em que ela se aproximou do banco mais a norte sem que eu desse por isso, cortando a sua voz o silêncio como chuva aliviada em solo seco.
Essa ruga é excessivamente sensual.
Como disse?
Essa ruga é excessivamente sensual. Repetiu.
Conhecemo-nos de algum lado?
Não, acho que não. Mas eu não me importava. Disse, com o mesmo ar decidido com que caminhara até aquela zona do parque.
Não passas de uma fantasia, devo estar a sonhar acordado… confesso que te imaginei diferente mas…
Isso querias tu, refilou, mas sou real e estou aqui diante de ti, presa a essa ruga que me azucrina.
“Azucrina” não é palavra que eu usasse… talvez importunar ou maçar… não sei o que te diga.
Pára! Gritou mas sem ser irritante, não faça isso, só a tornas ainda mais irresistível…
Alguém te pagou para fazeres pouco de mim… é isso não é?
Não foi pouco, mas se pagares o dobro eu digo-te quem foi…
Agora estou mesmo convencido que te criei e tudo isto só existe na minha cabeça…
Voltamos ao mesmo…
Repara, respondeste tal e qual eu teria respondido, logo fui eu que te imaginei, essa resposta inventei-a para ti… Quedou-se pensativa e apoiando um joelho no banco, alisou suavemente com o indicador a ruga que crescia junto à minha saliência distante do globo ocular.
Inventas respostas?
Diálogos inteiros…
Então sabes o que vou dizer a seguir?
Não vais dizer nada, apenas…
Não tardou a amanhecer e quando a Terra rodou o suficiente para que se desse o milagre de um novo dia, já o cheiro dela tinha tomado conta do meu. Aliás, tomou conta da roupa da cama, de cada canto do quarto, até mesmo de cada divisão do apartamento, e como o cheiro não se detêm, transbordou pelos canos, frinchas das janelas, aberturas das fechaduras, apanhando os vizinhos ainda deitados, corpos quentes que espreguiçavam, tocavam-se e envolvidos no perfume, acariciavam-se, sem pudor, comiam-se!
lovers of Valdaro, dating back 6,000 years |
"Depois daquela noite
ResponderEliminarEu ainda sentia o cheiro dela
Agarrado ao meu corpo.
Depois daquela noite
Procurei-a
Mas não a encontrei a meu lado
Talvez aquele cheiro
Fosse uma ilusão
Talvez só em sonhos
A satisfação de te ter ali...
Não sei se és um sonho
Ou uma realidade
Mas apesar de tudo
Não perdi a vontade
De te ter para mim..."
in Teatrum - Lugares de Sonho - C.N.Gil
:)